Política
Miriam Leitão Dívida dividida
O GLOBO
O mercado de dívida está mudando no Brasil.
Antes, o setor público abocanhava quase tudo. Hoje, os papéis lançados pelas empresas ocupam maior espaço. Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor da Quest Investimentos, acha que esse é um sinal de mudança estrutural do país. O presidente da Andima, Sérgio Cutolo, disse que em 2009 o total de títulos privados vai passar o de títulos públicos.
Há uma divergência entre mercado e Banco Central sobre os juros de longo prazo. O mercado embute uma expectativa de elevação das taxas no futuro. O presidente do BC, Henrique Meirelles, considera que não há motivo para isso. Mendonça de Barros acha que a economia brasileira mudou tanto que não há mesmo motivos para o país voltar a ter juros reais muito altos. Uma dessas mudanças é a estrutura do mercado de dívida.
Cutolo diz que a queda dos juros, a redução da dívida pública e a força do mercado secundário estão mudando o mercado de dívida no Brasil: — Hoje, o mercado de dívida total é de R$ 2,5 trilhões.
O total de títulos públicos representa R$ 1,3 trilhão, mas este ano ainda os tomadores privados devem passar o captado de títulos públicos.
Outra mudança fundamental é o crescimento do mercado secundário nos papéis de empresas.
— Isso mostra que esses títulos têm liquidez. O mercado secundário em volume cresceu, neste primeiro semestre, 100% em relação ao mesmo período do ano passado, e em operações cresceu 160% — disse Cutolo.
Mendonça de Barros acha que muitas vezes o mercado não se dá conta em suas análises dessas mudanças estruturais no país. No passado, o domínio absoluto do mercado de dívida pelos papéis públicos parecia uma distorção incorrigível. Hoje, a tendência é que as empresas consigam captar mais no mercado privado, e que haja aceitação desses papéis.
Na reunião do Copom que começa hoje, o mercado voltou a formar consenso. Desta vez, o cálculo é que os juros cairão meio ponto, para 8,75%. Mendonça de Barros acha que mais importante que o número a que vai se chegar ao fim desse processo é o fato de que o mercado está prevendo uma taxa de câmbio estável de agora até o fim de 2010.
— Não sei qual é a taxa de juros real ideal, mas isso se saberá com o tempo. Acho que juros reais de 4%, como o país passará a ter depois da reunião desta semana, é um bom nível. Não acho que exista razão para voltar a ter juros reais de 8%, 10%, como no passado, porque o Brasil mudou muito. Apesar da gastança do governo, a dinâmica do setor privado é tão forte que o mercado de crédito, que antes era na sua maior parte tomada pela dívida pública, agora está dividido entre tomadores privados e o setor público. Ninguém deu muita bola para essa mudança, mas ela mostra o amadurecimento da economia brasileira — disse.
Ele alerta que esse fenômeno estaria muito mais evidente se o governo tivesse feito reformas e controlado os gastos. A mudança se deve mais ao dinamismo do setor privado do que à modernização do setor público. De qualquer maneira, ele acha que as previsões de estabilidade do câmbio (em torno de R$ 2,00 até o fim de 2010) mostram a força do real.
— Isso reflete as mudanças que ocorreram nas contas externas nos últimos anos, desde a estabilização.
É por isso que eu acho que o Brasil criou condições para ter taxas de juros reais bem mais baixas do que anteriormente — afirmou Mendonça de Barros.
O grande problema, na opinião dele, continua a ser o mercado bancário.
— O setor bancário é oligopolizado e precisa mudar.
A nova queda de juros trará de volta a discussão sobre mudanças na poupança. Eu acho que a caderneta tem que pagar imposto como os outros produtos. Mas os bancos hoje cobram taxas de administração altas para apenas pegar seu dinheiro e comprar títulos públicos. As taxas dos bancos têm que cair — disse Mendonça de Barros.
Em sua última pesquisa, a Anefac mostrou que a Selic caiu 32% de dezembro a junho, saindo de 13,75% para 9,25%, enquanto os juros cobrados das empresas caíram apenas 6,54%, de 66,69% para 62,33% ao ano, e os das pessoas físicas recuaram 4,38%, de 137,91% para 137,87%.
Os bancos de investimento estão dizendo que não temem a competição da poupança.
Segundo Marcelo Giufrida, presidente da Anbid, um novo corte na Selic na próxima quarta-feira não altera tanto o cenário: — A poupança para aplicação de até R$ 50 mil já está mais atraente — afirmou.
Mas o fato é que os bancos estão preocupados e derrubando taxas de administração.
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