Nem ''loucuras'' faltam nos ''eventos extremos'' Washington Novaes
Política

Nem ''loucuras'' faltam nos ''eventos extremos'' Washington Novaes


O Estado de S. Paulo - 20/05/2011

Em julho de 1975 o autor destas linhas foi a Pernambuco documentar
para o programa Globo Repórter, da Rede Globo, as consequências de uma
grande enchente no Rio Capibaribe, no Recife e adjacências. E entre os
muitos dramas, não havia quem não comentasse uma estranha ocorrência.
No momento em que se propagou pela região central do Recife a notícia
de que a inundação já era forte e aumentaria ainda mais - pois a
barragem de Tapacurá, a montante da cidade, se teria rompido -,
estabeleceu-se o pânico. Pessoas abandonaram seus carros no meio das
ruas e procuraram refúgio em edifícios. Nestes, um corte de energia,
aliado à fuga de operadores, levou à paralisação de elevadores, com
pessoas retidas dentro. No meio dessa confusão, ocorreu a uma alma
generosa que era preciso libertar os "loucos" internados no asilo da
Tamarineira, pois também ali os guardiães haviam sumido. Abriu os
portões. Os internos saíram e imediatamente começaram a ordenar o
trânsito caótico e a livrar pessoas presas nos elevadores. Mas era
boato, a barragem não se rompera. E passado o susto os internos da
Tamarineira foram recolhidos ao asilo e trancadas as portas.


Há poucos dias, a situação repetiu-se em parte no Recife. A
meteorologia preveniu que estava a caminho forte chuva. As autoridades
tomaram várias providências, incluindo a de liberar parte da água
retida na barragem de Carpina, para não correr risco de rompimento.
Mas, enquanto sobrevinha um início de pânico, o vento mudou, a chuva
desviou-se, a barragem permaneceu intacta. Só que mensagens pelo
Twitter e por telefones celulares continuavam a divulgar informação de
rompimento da barragem. E o pânico cresceu, deu trabalho para ser
contido (desta vez, sem ajuda de internos de asilos).

Mas se o Recife escapou do drama maior, no mesmo momento outras
regiões de Pernambuco - as mesmas atingidas pelas enchentes do ano
passado - estavam de novo envolvidas em tragédias, em 45 municípios.
Desta vez, com 145 mil pessoas afetadas, vários mortos. Da mesma
forma, em 10 municípios alagoanos atingidos em 2010. Sem falar no Rio
Grande do Norte, Maranhão, Sergipe e Bahia. Ou, descendo no mapa, Rio
Grande do Sul, onde em certas áreas em menos de três dias choveu o
esperado para todo o mês, deixando 12 mortos e mais de 36 mil pessoas
afetadas em 12 cidades. Na cidade de São Paulo, na primeira quinzena
de abril choveu mais que o previsto para o mês (Estado, 19/4); em
janeiro já caíra o dobro do esperado. No dia 26 de abril, pela
primeira vez foi testado ali o sistema de alerta, quando em poucas
horas choveu o dobro do previsto para todo o mês (Estado, 27/4).

O Brasil, como já se registrou aqui (22/4), é o país em sexto lugar
(2008 a 2011) no número de mortos (10 pessoas por milhão de
habitantes), 70% dos quais em deslizamentos de encostas - como tem
lembrado o Centro de Políticas e Programas de Pesquisa e
Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia (SBPC, 6/5). O
cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), adverte que só temos mapeadas, até aqui, 1.500 das 20 mil
áreas de risco no País, em geral tomadas por populações que têm de
abandonar áreas valorizadas e ocupar lugares de risco (como na Região
Serrana do Rio de Janeiro, onde morreram 906 pessoas e 400 estão
desaparecidas).

Principalmente para essas populações, é vital o desenvolvimento de
sistemas de informação que habilitem a Defesa Civil a alertar para o
risco de "eventos extremos", em geral relacionados com mudanças
climáticas. Ainda mais quando se lembra o relatório (Estado, 27/4)
Vulnerabilidade das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas
(Inpe, UFRJ, Fiocruz, Unicamp), já mencionado no mesmo artigo de 22/4,
que prevê para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro um aumento de
até 4,8 graus Celsius na temperatura ao longo deste século. Nesse
Estado, ainda não se resolveu a situação de 7 mil famílias que
continuam desabrigadas na Região Serrana, nem foram feitas as obras em
770 encostas, que custarão R$ 3,3 bilhões (Fernando Gabeira, 23/4).

Outro estudo do Inpe e do Met Office (O Globo, 11/5) diz que o índice
de pluviosidade na Amazônia, até 2080, pode cair até 41%. Grandes
estiagens e chuvas intensas serão mais frequentes, como já tem
acontecido nos últimos anos, com secas e inundações inéditas e
reflexos em todo o País. Inclusive na área da agricultura, em que a
Embrapa tenta criar espécies de soja, milho e outras mais resistentes
ao calor. Na última safra, foram significativas as perdas em culturas,
principalmente no Centro-Oeste, com o calor e as chuvas, e no Sul, com
as secas.

Colocado diante desse quadro, o cidadão perguntará o que as
instituições globais, os governos dos países farão para enfrentar o
panorama. E mais uma vez se espantará. A ONU já não espera que possa
ser alcançado um acordo "vinculante", obrigatório para todos os
países, na próxima reunião da Convenção do Clima, no fim do ano, na
África do Sul, como já se assinalou aqui. Tanto que o
secretário-geral, Ban Ki-moon, se afastou das negociações. O único
documento obrigatório na área - o Protocolo de Kyoto, que obriga os
países industrializados a reduzir suas emissões em 5,2%, calculadas
sobre as de 1990 - expira no ano que vem, antes de ser cumprido pela
maior parte dos países e com as emissões ainda em alta.

Praticamente todos os especialistas na área - a começar pelo
conceituado sir Nicholas Stern - consideram altamente improvável que
se consiga suficiente redução de emissões para conter em 2 graus o
aumento da temperatura da Terra até 2050. E isso terá consequências
muito sérias, mais "eventos extremos", mais elevação do nível do mar.

Então, é preciso correr com a chamada adaptação às mudanças. Mas os
últimos acontecimentos mostram que também aí ainda vamos muito devagar
- onde vamos.




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