O real e o imaginário na crise Suely Caldas
Política

O real e o imaginário na crise Suely Caldas



O Estado de S. Paulo - 11/01/2009

O ano começou com péssimas notícias: a produção industrial desaba, as montadoras automobilísticas demitiram 3,2 mil funcionários em dezembro e reduzem a produção para menos da metade; outras grandes empresas desempregam, dão licença ou férias coletivas, suspendem contratos de trabalho e levam insegurança aos trabalhadores; por falta de demanda, a Petrobrás reduz em 37% o fornecimento de gás da Bolívia; e pela primeira vez no governo Lula, o resultado entre ingresso e saída de dólares em 2008 foi negativo em US$ 983 milhões.

De bom mesmo só o lançamento de bônus no mercado financeiro global, que se mostrava refratário ao crédito a países emergentes. O País captou US$ 1 bilhão pagando taxa de 5,875%, ligeiramente abaixo das obtidas em operações semelhantes do México e da Turquia, mas acima dos 5,299% do último lançamento brasileiro, em meados de 2008.

Apesar de atingir a meta de US$ 1 bilhão e aparentemente relançar o Brasil no retraído mercado de crédito, essa captação ficou apagada e não foi comemorada, por dois motivos:

Ela não teve o significado de abrir caminho e restabelecer o crédito para empresas brasileiras lá fora porque seu sucesso foi decorrente do transitório clima de otimismo com a posse de Barack Obama, e não de fatores internos consistentes;

o Brasil teve de aceitar pagar uma taxa de rendimento elevada num momento em que o mundo inteiro reduziu juros - na Inglaterra caiu, quarta-feira, para 1,5%, a taxa mais baixa em três séculos.

Nas crises vividas pelo governo FHC, superado o período de maior turbulência, o governo costumava lançar papéis no exterior com o objetivo de reabrir o caminho do crédito para empresas brasileiras. Desta vez isso não aconteceu, porque ninguém sabe quanto tempo vai demorar a crise, e a solução não está no Brasil, mas depende da recuperação econômica dos países ricos. Portanto, a Petrobrás vai continuar recorrendo à Caixa Econômica Federal e os investimentos para extrair óleo do pré-sal devem ser adiados.

Por aqui os indicadores pioraram neste início de 2009. O que mais chocou, por prenunciar um futuro extremamente preocupante, foi a produção industrial. Segundo o IBGE, em novembro a produção da indústria desabou 5,4% em relação a outubro e 6,2% na comparação com novembro de 2007. Nesse ritmo a economia tende a marchar perigosamente para a recessão e desmentir as previsões do governo e de analistas de se limitar a uma desaceleração do crescimento. Se em novembro o resultado foi tão ruim, o que esperar de dezembro - e também de janeiro -, quando as empresas paralisaram fábricas inteiras e deram férias coletivas?

A primeira a divulgar seus números, o efeito dessa parada na indústria automotiva foi devastador: em dezembro a produção de veículos caiu 47%, na comparação com novembro, e mesmo assim o ano entrou com 211 mil veículos em estoque, equivalentes a 36 dias de vendas, acima da média aceitável. Mas o ministro Guido Mantega continua repetindo o desacreditado monocórdio. “As vendas de veículos tendem a se normalizar muito brevemente”, afirmou na sexta-feira.

Em novembro predominava entre os analistas a avaliação de que o PIB brasileiro cresceria 4% em 2009. Hoje as previsões já estão abaixo de 2% e, mesmo assim, apostando em recuperação só no segundo semestre, mas em taxas negativas no quarto trimestre de 2008 e no primeiro de 2009.

O governo segue como um extraterrestre, anunciando devaneios a léguas de distância da realidade. Enquanto Obama faz um apelo dramático para salvar da tragédia a economia americana e o ministro da Fazenda do México diz esperar crescimento zero em 2009, Mantega continua sustentando que o PIB brasileiro crescerá 4%. Com base em quê, ninguém sabe. Nem ele próprio.

O quixotesco presidente Lula é outro que prefere indicar o caminho de um otimismo imaginário e enganador a aceitar a realidade. Diante da intensidade da crise nos últimos 30 dias, a tentativa de reduzi-la ao tamanho de uma marolinha mostrou-se ridícula. Lula até descreve direitinho a cadeia de acontecimentos: se o cidadão não compra, as vendas caem, as empresas reduzem a produção e o trabalhador perde o emprego. Afinal, é isso que ensinam manuais de economia e é o que está acontecendo. Só que Lula ignora um detalhe poderoso: quem desencadeia a perda de vendas, da produção e do emprego não é o cidadão, mas a pior crise econômica global dos últimos 70 anos. Não serão seus extravagantes conselhos de consumo que irão derrotá-la.




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