Consumou-se na semana passada mais um caso acintoso de promiscuidade entre o poder público e interesses privados no governo Lula, numa variante da história de interferência do Planalto na agência reguladora do setor aéreo para que autorizasse a seqüência de transações que desembocaria na venda da Varig para a Gol. Desta vez foi a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o órgão cuja autonomia o Executivo federal reduziu a quase nada ao fazê-la curvar-se aos seus intentos. Na última quinta-feira, o conselho diretor da Anatel - exatamente como se esperava - aprovou o casuísmo de mudar o Plano Geral de Outorgas (PGO), que proibia que uma concessionária de telefonia adquirisse outra para entrar numa região do País diferente daquela onde foi autorizada a operar.
O fim da proibição, concebida como barreira à cartelização do setor, deu respaldo legal à fusão entre a Brasil Telecom (BrT) e a Oi, um negócio da ordem de R$ 12 bilhões acertado há meio ano com o apoio ostensivo do governo - portanto, na certeza compartilhada de que as regras da telefonia seriam adaptadas às conveniências dos grupos envolvidos na transação e de seus aliados na administração e no Congresso. A ingerência na Anatel, que incluiu a providencial nomeação de uma diretora sem familiaridade alguma com o setor, mas que votou da maneira "correta" na decisão final, foi como que antecipada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa. Quando ainda não se falava da compra da BrT pela Oi, ele já a dava como certa, estando aí implícito que o sistema de outorga de concessões seria reformulado para permitir a operação.
Sob o argumento de que é do interesse nacional o surgimento de uma supertele no Brasil para estar à altura dos conglomerados que atuam em escala global, o que o governo fez, para favorecer os controladores da Oi, a antiga Telemar, foi transformar a administração pública em corretora de negócios, como afirmamos nesta página em junho passado. O governo e os seus parceiros corporativos impuseram a sua vontade à Anatel de outra forma ainda. A agência pretendia proibir as concessionárias de telefonia fixa de oferecer acesso à internet de banda larga (em alta velocidade). Elas seriam obrigadas a criar empresas específicas, com infra-estrutura própria, para administrar esse serviço. O objetivo era dar acesso a outras provedoras às redes físicas das concessionárias - ou seja, ampliando a concorrência.
A separação foi derrotada por 3 votos a 2. Um dos vencidos foi o relator da proposta do novo PGO, o conselheiro Pedro Jaime Ziller. Ele sustenta, como explicou em entrevista a este jornal, que a medida permitiria "controlar os pedidos de acesso às redes e dar tratamento isonômico na operação, garantindo a competição, aumentando o número de empresas e baixando os preços". Além disso, a legislação considera a telefonia fixa um serviço público e a oferta de banda larga um serviço privado. A separação garantiria que, ao final da concessão, as redes telefônicas revertessem para a União, como previsto nos contratos, sem nenhum complicador. A rigor, os conselheiros que se opuseram ao parecer de Ziller não se disseram contrários a ele. Alegaram apenas que a separação não poderia ser instituída no PGO.
"Quanto mais tempo demorar (a medida), mais imperfeito vai ficar, porque o poder de mercado das empresas só vai crescer", rebate Ziller. "A Anatel perdeu a oportunidade de provocar uma contrapartida (à liberação das fusões entre concessionárias de telefonia fixa)." Atualmente, elas detêm 66% do mercado de acesso à internet em banda larga. Nas cidades menores, o controle é praticamente total. Não surpreende, pois, a resistência das teles. Mas a posição do governo deveria ser de neutralidade, para que a decisão da agência reguladora - teoricamente autônoma - não corresse o risco de ser contaminada por fatores externos (o ministro das Comunicações manifestou-se abertamente contra a separação, endossando o ponto de vista das concessionárias de que a mudança criaria custos, os quais seriam repassados aos usuários, tornando mais oneroso o acesso à banda larga). É inegável que a decisão da Anatel prejudica o direito de escolha dos usuários e ameaça os pequenos provedores.
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