Política
Pensão familiar
Pensão familiar
Walnize Carvalho
Já é noite, quando o homem para o carro em frente a residência e buzina, insistentemente, à espera que um dos filhos lhe venha abrir o portão da garagem.
Dentro de casa um jogo de empurra se instala: - Vai você, mermão ! diz o mais velho e o outro responde com a boca cheia de sanduíches: Qualé! Ontem fui eu! Hoje é seu dia!
E o fon! fon! continua , fazendo com que a vizinha venha espiar à janela e saia balançando, negativamente, a cabeça.
Surge finalmente um dos meninos limpando as mãos e pronto para ouvir o sermão do pai : - Que lerdeza! Chego cansado do trabalho e ainda tenho que esperar a boa vontade de vocês!
Entra na sala, coloca a pasta executiva sobre a mesa e já com controle remoto nas mãos liga a TV. Desata o nó da gravata, ao mesmo tempo em que tira calçados e os atira à distância. Se acomoda no sofá e se concentra no Jornal Nacional.
No quarto, a mulher ( ao telefone) percebe que o marido chegou. Pede um minuto à amiga, que está do outro lado da linha e, abafando o fone com a mão, avisa em alto e bom som: - Seu jantar está na geladeira! É só aquecer no microondas! Volta a papear, quando é interrompida aos gritos pela filha: - Ô mãe! Quero usar a net e a linha tá ocupada!
Não se fazendo de rogada, a mulher desliga o telefone , tranca-se no quarto e se entrega “ vendo a vida mais vivida que vem lá da televisão”: a novela das oito começa...
Ficção ou realidade? Realidade, todos sabem ! Tempos modernos, dirão alguns! Sinal dos tempos, falaram outros!
Em mim, a visível sensação de tempos menos felizes. Ironicamente, em família ocupamos o mesmo espaço, mas pouco nos ocupamos dos mesmos interesses.O diálogo , o aconchego, a cumplicidade ficam em segundo plano. Vez por outra, surge o monólogo exacerbado de um dos membros que resolve manifestar sua ira. É prova inconteste que, muitas vezes, o que suportamos em Sociedade nos dá o “direito” de despejarmos - sem cerimônia- dentro de nossos lares: os dissabores, as frustrações, as incompreensões... E a nossa casa (infelizmente) acaba se tornando uma atípica Pensão em que, individualmente , cuidamos de nossas prioridades e nos dirigimos aos nossos aposentos.Nostálgica eu,não é?
No embalo da nostalgia recordo daquelas pensões domiciliares (ainda existem por aí) em que solitários visitantes se hospedavam, ajeitavam seus pertences nos respectivos dormitórios e caminhavam para a grande mesa fazendo a ceia com pessoas de vários lugares e conversavam como velhos e bons amigos tendo ao fundo o som da “ Hora do Brasil”em um rádio sobre a cristaleira.
Não paro por aqui...
Embevecida de saudade, vou buscar em minha memória afetiva o aroma do suculento sopão de legumes, que vinha da “Pensão de D.Caçula”(vizinha de casa, em infâncias distantes).Lá (ainda existem por aí), não havia hóspedes e sim eram fornecidas refeições para várias residências. Todos os fins de tarde - o bom Joel - arrumava em sua bicicleta as marmitas acondicionadas em sacolas de brim caqui.Com presteza e agilidade seguia em direção às casas dos fregueses da velha senhora. E cumpria esta jornada , dia após dia, tanto na hora do almoço como na do jantar....Lembranças de dar água na boca!
Bi! Bi! Paro por aqui. O entregador de pizza acaba de chegar!
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