Perigos Previdenciários Maílson da Nóbrega
Política

Perigos Previdenciários Maílson da Nóbrega


VEJA

O modelo ideal de um regime previdenciário é aquele que garanta aos
segurados uma vida decente na velhice e os meio para financiá-lo ao
longo do tempo. É preciso haver equilíbrio atuarial e financeiro, mas
isso não é o que se vê mundo afora. A crescente elevação da
expectativa de vida tem permitido às pessoas usufruir por mais tempo
os benefícios, o que é socialmente auspicioso, mas insustentável.
Diante disso, os países ricos têm aumentado a idade para a
aposentadoria e criado mecanismos de ajuste automático dos benefícios
à maior expectativa de vida (o nosso fator previdenciário). A idade
média de aposentadoria será de 65 anos em 2050, isto é, aumento de 2,5
anos para os homens e de quatro anos para as mulheres, em relação a
2010. Ocorre que a expectativa de vida pós-aposentadoria aumentará a
um ritmo superior. Novas reformas são inevitáveis. A crise financeira
de 2008 mostrou que o adiamento de reformas pode exigir ajustes
súbitos e dolorosos, que deveriam acontecer de maneira gradual. Grécia
e Irlanda tiveram de realizar duras reformas para receber a
assistência financeira oficial que as livraria da derrocada econômica
e social. Agora, as pessoas terão de tomar difíceis decisões:
trabalhar mais, aposentar-se com menos ou poupar mais. No Brasil, o
desequilíbrio é mais sério. Nem sequer adotamos o critério de
aposentadoria por idade. No INSS, a regra é a do tempo de
contribuição, a qual foi instituída nos anos 1930, quando se vivia em
média 40 anos. Hoje, a nossa expectativa de vida pós-aposentadoria é
semelhante à dos países ricos. Há três agravantes. Primeiro, a
Previdência virou instrumento de assistência social, garantindo
aposentadorias para quem não contribui. Segundo, o salário mínimo, que
reajusta dois de cada três benefícios e impacta 40% da folha do INSS,
tem aumentado acima da inflação (130% nos últimos dezessete anos).
Terceiro, a pensão por morte assegura ao cônjuge 100% da aposentadoria
do segurado. A lógica do sistema (benefícios compatíveis com as
contribuições) tem sido violada há anos. O Brasil está ficando velho
antes de ficar rico. Nossos gastos previdenciários superam
proporcionalmente os de nações desenvolvidas e estão muito à frente
daqueles de países emergentes. Os gastos de todos os nossos regimes
alcançam 11,4% do PIB. Alemanha, Suécia e Estados Unidos gastam 12,1%,
11,1 % e 7,5%, respectivamente. A Argentina despende 6,2%, a China
2,7% e a Coreia do Sul 1,3%. Aqui, apenas as despesas com pensões por
morte já chegam a 3% do PIB. O sistema brasileiro direciona o grosso
dos gastos sociais para os idosos. O certo seria priorizar as
crianças. De fato, como mostram Paulo Tafner e Márcia de Carvalho no
livro 2022: Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário,
coordenado por Fabio Giambiagi e Claudio Porto, "43% das crianças de
até 14 anos são pobres e quase um quinto delas (18,4%) é extremamente
pobre. Mas, para indivíduos de 70 anos ou mais, apenas 4,7% são pobres
e menos de 1 % é extremamente pobre". O sistema é financeiramente
insustentável e socialmente mal focalizado. É preciso, pois, fazer
reformas que, preservando direitos adquiridos, evitem o desastre nos
próximos anos. Há que fixar idade mínima para a aposentadoria e novas
regras para as pensões por morte, que levem em conta a idade do
cônjuge, o número de filhos e o tempo de contribuição do segurado. Em
vez disso, o governo quer revogar o fator previdenciário, que incomoda
os políticos e os sindicatos. Seria uma contrarreforma. O fator dá ao
segurado duas lições: trabalhar mais ou receber menos ao aposentar-se,
o que evita desequilíbrios adicionais. A ideia é substituí-lo pela
regra 85/95: as mulheres se aposentariam quando a soma de idade e
tempo de contribuição atingisse 85; os homens, 95. Agora se fala numa
regra mais dura, 95/105, que dificilmente será aceita pelas centrais
sindicais. Nos países ricos, a ação dos governos é aumentar a idade de
aposentadoria. No Brasil, há inção. O desequilíbrio se amplia e se
tornará dramático caso o governo persista em conceder generosos
aumentos reais ao salário mínimo. Se o sistema não passar pelas
reformas necessárias, nossos filhos e netos pagarão uma gravíssima
conta.




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