O Estado de S. Paulo - 17/08/2011 |
A nova e generosa safra de escândalos em Brasília chama a atenção, mais uma vez, para três das piores pragas da política brasileira: a ocupação partidária da máquina pública, a transformação do Orçamento numa grande pizza e a distribuição de recursos por meio de convênios sem base técnica - muitas vezes com organizações de fachada ou meramente protegidas por algum interesse eleitoral. Não está claro se a presidente Dilma Rousseff continuará a limpeza ministerial, se vai desistir ou se apenas dará um tempo para reparos na base parlamentar. Novas denúncias de bandalheiras no Ministério da Agricultura têm sido publicadas, mas sem repercussão aparente no Palácio do Planalto. Mau sinal. Mas o avanço na faxina, se houver disposição para isso, será insuficiente para produzir efeitos de longo prazo. O problema é político e institucional, antes de ser uma questão de moralidade. O sistema brasileiro favorece a prevalência do interesse privado - e privados são também os partidos, sindicatos, igrejas e organizações empresariais, é bom não esquecer. A imoralidade, beneficiada por esse ambiente, é apenas parte da história. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva só levou o aparelhamento e o loteamento da administração a novos extremos. Seu grande objetivo sempre foi a implantação de um projeto de poder, muito mais que a execução de um plano de governo. Não inovou, no entanto, em termos institucionais. Já encontrou um terreno propício à sua política de ocupação e de uso dos meios públicos. Moldar o setor público segundo critérios profissionais é uma velha bandeira. Vários governos trabalharam por esse objetivo, mas de forma descontínua. Núcleos de excelência foram formados, ao longo de decênios, como o Banco do Brasil, o Instituto Brasileiro do Café, o Banco Nacional do Desenvolvimento e a velha Companhia de Financiamento da Produção, convertida há alguns anos em Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), atualmente um dos focos de escândalos na Agricultura. Nenhuma área da administração foi sempre imune ao jogo partidário, praticado no Brasil com alguma originalidade. A expressão "cota presidencial", indicativa de alguns ministérios, deve ser incompreensível na maior parte das democracias. Afinal, não cabe à Presidência a responsabilidade última pelos atos de governo? O loteamento vai muito além do primeiro e do segundo escalões e cada Ministério se torna objeto de usufruto do partido ou do grupo ocupante. O usufruto inclui a distribuição de verbas e a celebração de convênios. Em 2010 e 2011, durante 20 meses, o Ministério do Turismo aplicou R$ 120,5 milhões para qualificação de profissionais em 55 convênios com entidades e pessoas. Quantos desses prestadores de serviços teriam especialização técnica e pedagógica para fornecer o treinamento previsto? Participaram dos acordos entidades investigadas por desvio de recursos. Convênios são assinados - e isso ocorre em vários Ministérios - por iniciativa do Executivo e também como consequência de emendas orçamentárias. Os escândalos no setor de turismo são um bom exemplo de como se conjugam essas duas pragas políticas, o loteamento da máquina e a privatização do orçamento pela ação dos parlamentares. A história policial das emendas poderia ocupar um espaço enorme. Um dos casos mais facilmente lembrados é o dos anões do Orçamento, parlamentares baixinhos e especializados tanto em destinar verbas a entidades comandadas por laranjas ou parentes quanto em cobrar propina para mexer no projeto. Fraudes com dinheiro para obras sanitárias também ganharam destaque nos jornais, assim como o caso das ambulâncias superfaturadas. Esses e outros escândalos terminaram em cassações, algumas prisões e quase nenhuma recuperação de verbas. Fraudes são apenas a consequência mais notória e mais escandalosa de uma distorção institucional. Mesmo sem trambiques, a prática de retalhar verbas orçamentárias por meio de emendas individuais ou coletivas continuaria sendo uma distorção. Essas emendas são destinadas, na maior parte, a projetos de alcance paroquial e ao atendimento, portanto, de clientelas eleitorais. São interesses individuais e partidários sustentados com dinheiro público. A União deveria usar verbas federais para programas e prioridades de caráter nacional - fixados com base em propostas governamentais sujeitas a debate público. Se a prioridade, num determinado período, fosse a construção de campos de críquete no Centro-Oeste, a ação racional consistiria em concentrar recursos nesses projetos - sem o abandono, é claro, das funções básicas de governo. Pulverização de verbas é desperdício e privatização disfarçada. Esse é o bolo. Já seria ruim mesmo sem a cereja podre da corrupção. JORNALISTA |