Quando dois querem, dois brigam
Política

Quando dois querem, dois brigam


Como em toda guerra, no conflito entre Israel e o Hamas não é apenas o embate das forças militares que conta. Guerras são, antes de mais nada, um fenômeno político, e nelas é da maior importância o fator psicológico. Nesse confronto de vontades, vence quem, aconteça o que acontecer, sai com as suas motivações intactas. Israel deveria ter aprendido em 2006 essa lição, ensinada pelo mestre da estratégia Carl von Clausewitz, quando destruiu a máquina militar do Hezbollah, mas se retirou do Líbano como um exército derrotado e desmoralizado. Afinal, o custo de uma vitória militar, principalmente em conflitos assimétricos, como esse entre um Estado e uma organização terrorista - nos quais não é possível atrair o inimigo para a batalha decisiva -, pode ser a perda de apoios externos e a desunião interna do país que obteve sucesso pelas armas - em resumo, a derrota política.

Isso pode se repetir na Faixa de Gaza. O objetivo declarado de Israel é aniquilar a capacidade do Hamas de lançar morteiros e foguetes contra o território israelense. Mas é, também, por meio do isolamento da Faixa de Gaza - privada dos meios básicos de subsistência -, dos bombardeios pelo ar e da invasão por terra, levar a população local a se voltar contra o Hamas, que conquistou o governo do território autônomo em eleições legítimas.

O problema é que tudo conspira contra a consecução desses objetivos. Antes da ofensiva israelense, menos de 20% da população da Faixa apoiava o governo do Hamas. Hoje, o que se sabe pelos depoimentos que chegam da área conflagrada é que a população está, mais do que nunca, unida contra Israel.

A guerra psicológica está sendo claramente perdida por Israel. De 2001 a 2008, o Hamas disparou mais de 8 mil foguetes contra o território de Israel, matando quatro pessoas. A opinião pública mundial jamais se indignou diante desses atos de terrorismo, que se intensificaram a partir de novembro. Desde o início da ofensiva israelense, no entanto, já morreram cerca de 780 palestinos - a maioria civis, mulheres e crianças - e ficaram feridos mais de 3,2 mil. Do lado israelense morreram 13 pessoas, entre elas 10 soldados. Essa desproporção de números reforça a condenação moral que Israel sofre em todo o mundo.

Além disso, é verdade que parte dos arsenais do Hamas foi destruída pelos bombardeios e pelos tanques, mas não há garantias de que os estoques de foguetes não sejam repostos, seja por fabricação própria, seja fornecidos pelo Irã e pela Síria. E o fato é que, se depois de terminada a ofensiva, ainda forem disparados foguetes contra Israel, os palestinos, a opinião pública dos países árabes e muçulmanos e parte da comunidade internacional verão esse feito como uma vitória moral do Hamas.

O governo israelense resolveu enfrentar a ameaça terrorista do Hamas da pior maneira possível. Escolheu a guerra motivado, em grande medida, por questões de política interna. A desmoralizada coalizão liderada pelo primeiro ministro Ehud Olmert decidiu não enfrentar o Likud, nas eleições gerais de fevereiro, passando por fraca também em questões de segurança nacional. Ganhou prestígio entre certa parte do eleitorado, mas também deu vida nova ao Hamas - e agora se descobre num beco sem saída.

Um cessar-fogo sob supervisão internacional, seguido de negociações para o estabelecimento de uma trégua duradoura, poderia ser a solução. Mas a resolução do Conselho de Segurança, patrocinada pelo Reino Unido e aprovada nas primeiras horas de sexta-feira, não previa as garantias consideradas essenciais pelas partes em luta. O Hamas não respeitará a resolução porque ela determina que a retirada de Israel se dará apenas depois de estabelecido um "durável e completamente respeitado cessar-fogo" - e não imediatamente, como exigem os palestinos. O primeiro-ministro Olmert, por sua vez, declarou que a resolução não conterá "os grupos palestinos assassinos" e não permitirá que um "corpo externo" determine o direito de Israel de proteger seus cidadãos. De fato, a resolução do Conselho de Segurança não prevê a formação de uma força internacional para controlar o tráfico de armas para o Hamas, que se dá pelos túneis que ligam a Faixa ao Egito.

Assim, é bem provável que uma paz negociada fique adiada pelo menos até a realização das eleições em Israel, no dia 10 de fevereiro. Até lá, as vitórias militares de Israel aprofundarão a sua derrota política.



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