O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, em palestra em Belém, quarta-feira passada, em conferência promovida pela OAB, esclareceu que o governo Lula concedeu status de refugiado político ao ex-guerrilheiro italiano Cesare Battisti, com base numa premissa humanitária: a tradição brasileira de acolher quem lhe peça socorro, independentemente do conflito de que seja parte.
Simples assim. O ministro foi aplaudido como um humanista, sem que a alguém na platéia ocorresse uma pergunta igualmente simples: por que a mesma tradição não funcionou em prol dos boxeadores cubanos Guillermo Rigoundeaux e Erislandy Lara?
Eles, como se recorda, desligaram-se da delegação de seu país, na conclusão dos jogos pan-americanos de 2007, e pediram asilo ao governo brasileiro, alegando incompatibilidade com o ambiente político de Cuba.
O pedido foi recusado e ambos foram deportados de volta a seu país, num jato fretado pelo governo cubano.
Lá, como temiam, foram presos. As autoridades brasileiras alegaram que estavam sem documentos, o que, segundo a Polícia Federal, já seria motivo suficiente para a deportação.
Não se sabe se Battisti possui os seus documentos em ordem. Em geral, pessoas nessas condições não possuem.
A diferença entre os boxeadores e Battisti é que este foi condenado em instância final por crimes de homicídio em sua terra e por um tribunal de direitos humanos da União Européia.
Contra os boxeadores, nenhuma acusação pesava, a não ser o desejo de viver em uma democracia, regime desconhecido em Cuba há meio século.
Tem-se aí claramente um fenômeno de ideologização dos direitos humanos. Tratava-se, no caso dos cubanos, de atender a um governante ideologicamente afim ao governo brasileiro.
No caso de Battisti, que integrou organização paramilitar de esquerda na Itália dos anos 70, dava-se o contrário: estava em pauta o pleito de um governo democrático, reclamando, com base em tratado de extradição firmado com o Brasil, alguém condenado por três crimes de morte, aos quais não se deu o rótulo de “políticos”.
Em defesa de Battisti, o governo foi às últimas conseqüências. Enfrentou a reação do governo italiano, pondo em dúvida a justeza das sentenças condenatórias.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não hesitou em considerar que o Judiciário italiano não foi justo, gerando reações fortes naquele país. Somos humanitários e ponto final.
No caso dos cubanos, alegou-se apenas que eles não tinham documentos. O passaporte estava retido junto à delegação. O humanismo perdeu para o rigor burocrático da polícia e o governo, claro, não podia fazer nada.
O governou agiu ideologicamente, com pesos e medidas diferentes para cada caso, o que é característica dos governos. Pelo menos de alguns.
Também os governos militares brasileiros agiam ideologicamente, ao conceder asilo a ex-ditadores e a prender fugitivos de ditaduras do Cone Sul, nos anos 70 e 80.
Mas direitos humanos não têm ideologia. Não são de esquerda ou de direita. Não há direitos humanos socialistas ou neoliberais.
Onde quer que a integridade física, moral, psicológica ou cultural de uma pessoa ou de uma comunidade seja violada, ali se configura uma transgressão aos direitos humanos e deve ser combatida.
Cabe à imprensa um papel nesse processo: o de postar-se acima do jogo ideológico e denunciar. Nem sempre o faz, mas é ainda quem faz.
Por exemplo: sabe-se com freqüência – e repudia-se – as agressões aos integrantes do MST, mas sabe-se pouco (e minimiza-se) o que ocorre com os que habitam as propriedades por eles invadidas.
E há aí também inúmeros casos de violência, que ferem direitos humanos, quando não o bom senso (caso dos laranjais da Fazenda Cutrale, destruídos bestialmente há dias no interior de São Paulo).
Por essa razão, convém insistir na máxima de que direitos humanos não têm – não podem ter – ideologia, a não ser a expressa em sua própria essência: a defesa da integridade e dignidade do ser humano.
Fugir dessa premissa, relativizando-a, é fugir da própria missão. Como o fez agora o ministro dos (vá lá) Direitos Humanos.