Digamos, por mero exercício de raciocínio, que tudo o que tem sido assacado, sem provas, contra a blogueira cubana Yoani Sánchez é verdade: é agente da CIA, conspira contra o socialismo em Cuba, é antipatriota, financiada por grupos empresariais etc.
Nada disso justifica a vergonhosa recepção que está tendo. Cercear o direito à palavra a alguém cujo destaque se deve exclusivamente ao uso que dela faz – e a nada mais - é uma truculência inominável, intolerável num regime democrático.
Se os adversário de Yoani têm alguma razão para hostilizá-la, a perderam ao tentar silenciá-la mediante métodos bárbaros, piquetes de militantes que remetem às manifestações da juventude nazista. Se ela precisa ser combatida – digamos que precise -, é no campo em que ela atua que isso deve ocorrer.
Afinal, se o seu hipotético delito estaria no que diz (e escreve), é aí que deve ser questionada. A liberação de seu visto para deixar seu país foi apresentada como sinal de que Cuba, no fim das contas, não seria uma ditadura tão intolerável.
Só que a concessão do visto não foi exatamente uma concessão. Estava sendo constrangedor ao regime insistir em negá-lo, graças à projeção que Yoani conquistou internacionalmente.
O governo cubano decidiu então transformar a concessão numa cilada. Articulou-se com o governo brasileiro para que a recepção saísse pela culatra. O meio de que se serviu não poderia ser mais burro. Confirma o que de pior já se disse sobre aquele regime.
É um governo que teme mais a palavra do que a pólvora. O espantoso é que o governo brasileiro, que preside uma democracia, fincada na liberdade de expressão, se associe a tal prática.
A imprensa provou tal parceria, em que o governo brasileiro chegou a enviar emissário a Cuba para inteirar-se da logística da perseguição. Os adversários de Yoani querem responsabilizá-la pelo que não fez, nem defendeu: o embargo econômico dos EUA e a prisão de Guantánamo.
Que tem ela com isso, se nem nascida era quando tais fatos se consumaram? E que força tem para revertê-los se o próprio Obama, que se comprometeu com a causa, não o conseguiu? E ainda: quando foi que fez proselitismo favorável a tais temas?
Sua luta é a de uma cidadã cubana, inconformada em viver num país onde não há eleição há mais de cinco décadas, onde se pune com prisão, tortura e morte os delitos de opinião e onde o elementar direito de ir e vir cabe apenas aos amigos do regime.
Alguns hão de argumentar: "Como, se ela está no Brasil e cumprirá agenda de visita a outros países?". Sim, mas a que preço! O que afinal os adversários de Yoani tanto temem que ela diga que já não tenha dito (e escrito)?
Se é agente da CIA – e seria caso único de um agente cuja missão é se expor -, a melhor ocasião de prová-lo e desmoralizá-la é pelo debate. Há quem tente apontar na mobilização oposicionista para defendê-la um sinal de que estaria articulada para impor ao regime cubano o desgaste que está ocorrendo.
Ora, que oposição ficaria indiferente a uma manobra tão patética como esta, que, além de submeter o país ao comando moral de outro, o expõe internacionalmente como cúmplice de uma ditadura cinquentenária?
E não é a primeira vez que o governo do PT, que celebrou esta semana sua primeira década no poder, age dessa forma, a serviço de um regime que resiste à democratização.
Houve, em 2007, por ocasião do Pan-americano, o caso de deportação de dois boxeadores cubanos que se desligaram da delegação de seu país e pediram asilo ao governo brasileiro.
Já com relação ao terrorista Cesare Battisti, condenado em última instância pelo Judiciário italiano, o governo não hesitou em violar um tratado de extradição e mantê-lo em território brasileiro. Os boxeadores não eram criminosos, nem estavam condenados, mas foram tratados como se o fossem; Battisti, mesmo condenado, foi tratado como vítima.
Lula, em território cubano, comparou presos políticos, em greve de fome, a bandidos comuns de São Paulo. E Dilma disse que direitos humanos são questão de âmbito interno dos países e que o Brasil não tem autoridade nessa questão para julgar Cuba.
Some-se a isso a inconformidade do PT em absorver a condenação dos mensaleiros e as reiteradas tentativas de regulamentar a mídia e tem-se aí, claramente, um projeto autoritário em marcha. O que a militância da esquerda faz com Yoani é o que quer fazer com a liberdade de expressão aqui mesmo.