editorial |
O Estado de S. Paulo |
24/9/2008 |
O mundo precisa de novos mecanismos de controle financeiro e prevenção de crises, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao discursar ontem, na abertura da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas. Somente soluções globais podem dar conta de uma crise global, acrescentou, e convém tomá-las “em espaços multilaterais legítimos e confiáveis, sem imposições”. Da ONU, segundo ele, deveria partir a convocação para “uma resposta vigorosa às ameaças” presentes. Os “organismos econômicos supranacionais carecem de autoridade e de instrumentos práticos para coibir a anarquia especulativa” e é preciso “reconstruí-los em bases inteiramente novas”, argumentou o presidente. Descontada a retórica, há bons argumentos a favor da proposta. No sistema financeiro globalizado, as transações têm repercussão instantânea em todo o mundo e superam de longe o valor da produção de grandes economias. O cardápio de operações é cada vez mais amplo e sofisticado, com modalidades complexas e quase ininteligíveis para o público não especializado. Os sistemas de regulação e supervisão, no entanto, são nacionais, variam de um país para outro e, no conjunto, são altamente ineficientes, como ficou provado em várias crises desde os anos 90. O desastre iniciado com o estouro da bolha imobiliária, há pouco mais de um ano, foi mais grave que os anteriores, mas as condições necessárias à sua ocorrência já estavam presentes, havia muito tempo, no mercado quase sem lei. Houve sinais de alerta, como noutras crises, mas nenhum dos envolvidos na farra do crédito fácil era obrigado a levá-los em conta. O presidente Lula está provavelmente enganado quanto a um ponto. No discurso, ele defendeu uma reforma ambiciosa para a solução da atual crise. Ora, a crise quase certamente estará superada antes de qualquer acordo sobre um novo mecanismo de supervisão financeira e prevenção de acidentes. Mas o sistema financeiro continuará vulnerável a novos abalos, talvez até mais fortes, mesmo com algum aperfeiçoamento da regulação atual. Este é o ponto importante. A cooperação internacional já tem servido para atenuar os problemas imediatos, mas não basta, ainda, para constituir uma rede global de segurança financeira. Está em estudo no Banco Mundial (Bird), segundo informou, ontem, o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, a proposta de um esquema tão ambicioso quanto o de Bretton Woods. Nesta cidadezinha de New Hampshire, nos Estados Unidos, negociadores de 44 países discutiram, em 1944, mecanismos para reordenação financeira e para reconstrução econômica no pós-guerra. Desses debates nasceram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, concebidos para disciplinar o sistema internacional de pagamentos, facilitar a superação de crises cambiais e financiar a retomada do crescimento econômico. Os dois organismos foram projetados para relacionar-se com governos e apoiar a execução de programas oficiais. O desafio, agora, é regular em escala mundial o sistema financeiro. Será preciso disciplinar, como se viu nesta crise, não só os bancos comerciais (tomadores de depósitos à vista), mas também outros canais de captação de poupança e de concessão de crédito. Ao contrário do que pensa o presidente Lula, a ONU não é o melhor foro para se cuidar do problema. As entidades financeiras multilaterais, especialmente o FMI, o Bird e o Banco de Compensações Internacionais (BIS), dispõem de experiência, conhecimentos especializados e fontes de informação dificilmente acessíveis a qualquer outra entidade. São, além disso, foros multilaterais altamente organizados. Pode-se discutir se os seus padrões de representação política são os mais eqüitativos, mas esse tema já está em debate há vários anos no FMI e um trabalho de reforma já foi iniciado. É irrealista propor uma negociação a partir do zero, convocada pela ONU, para a criação de um esquema global de segurança financeira. Igualmente irrealista é menosprezar a competência técnica e operacional das instituições multilaterais. Enfim, é ingenuidade imaginar uma reforma produzida a partir de uma assembléia mundial de iguais, sem o peso diferenciado das potências grandes e médias. O desafio é combinar o peso dessas potências com a competência do FMI e de outras instituições consolidadas. |