A possibilidade de conseguir obter no Senado uma maioria tão forte que impossibilite a obstrução por parte da minoria republicana está fazendo com que a apuração das últimas vagas se transforme em uma disputa política tão acirrada quanto foi a campanha presidencial. E também coloca em xeque a política "pós-partidária" defendida pelo presidente eleito Barack Obama. O Partido Democrata já garantiu 57 cadeiras no Senado, estando a três vagas para atingir o número mágico de 60 representantes. Os três últimos estados a apurar os votos, inclusive com recontagem, têm os republicanos à frente, mas em Minnesota e no Alaska as diferenças estão diminuindo à medida que a recontagem avança. A vantagem de Norm Coleman em Minnesota caiu para apenas 204 votos, enquanto no Alaska o governador de Anchorage, o democrata Mark Begich, está atrás por apenas 3257 votos.
Os partidos estão enviando assessores e advogados para acompanhar os momentos finais, que parecem favorecer os democratas. A eleição na Geórgia passou a ser fundamental tanto para republicanos quanto para democratas, mas haverá um segundo turno no começo de dezembro.
O republicano Saxby Chambliss ganhou com menos de 50% dos votos e seu oponente Jim Martin é um típico democrata liberal, que daria a 60ª cadeira no Senado para seu partido.
A disputa é tão fundamental que o candidato derrotado John McCain está indo participar pessoalmente da campanha na Geórgia, enquanto o presidente eleito Barack Obama está enviando assessores próximos para ajudar Martin.
O empenho em obter o quórum necessário para neutralizar possíveis ações de obstrução dos adversários é mais do que normal, ainda mais em um momento de crise econômica tão grave que obrigará a aprovação de medidas em caráter de urgência.
Mas o acirramento da disputa pelo Congresso pode prejudicar um dos principais projetos de Barack Obama, a criação de um ambiente não-partidário que propicie um trabalho conjunto entre democratas e republicanos.
Obama ressaltou esse objetivo em seu discurso de vitória no Grant Park, em Chicago, na noite do dia 4 de novembro, falando sobre o que significa sua eleição: "Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis. Somos, e sempre seremos os Estados Unidos da América".
Esse mesmo tema havia sido usado por Barack Obama no discurso de 2004 na Convenção Democrata que o lançou como potencial candidato a presidente. Obama enfatizou no discurso de Chicago a crítica ao "partidarismo", que comparou à "mesquinharia" e à "imaturidade" que, segundo ele, "intoxicaram nossa vida política há tanto tempo".
Na sua noite, ele se lembrou de elogiar John McCain, o concorrente que derrotara, relevando os ataques, muitas vezes baixos, que sofreu durante a campanha, e elogiou o Partido Republicano, "fundado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional, (...) valores que todos compartilhamos".
E ressaltou que, embora o Partido Democrata tivesse conquistado uma grande vitória, tinha a determinação de "curar as divisões que impediram nosso progresso. Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões nos tenham colocado sob tensão, não devemos romper nossos laços de afeto".
Essa preocupação de ultrapassar as fronteiras partidárias e não se perder em picuinhas políticas menores está presente no pensamento de Obama muito antes da campanha eleitoral.
Em seu livro "A audácia da esperança", ele já afirmava, a respeito das disputas partidárias, que eram "esforços exaustivos", que roubavam "a energia e as novas idéias" necessárias para aproveitar as mudanças que a globalização enseja.
Nesse mesmo livro, ele afirma que, se os democratas tentarem perseguir "uma estratégia partidária mais acentuada", estarão dando mostras de que não entendem o mundo em que vivemos.
Assim como no Brasil o governador de Minas, Aécio Neves, está tentando construir uma candidatura à Presidência da República baseada na confluência de interesses entre o PT e o PSDB, e não nas diferenças, também Barack Obama baseou toda a sua estratégia política até chegar à Presidência na opção de encontrar pontos de convergência com os republicanos, sem deixar de criticar duramente os anos Bush.
E, com isso, conseguiu conquistar votos em estados tradicionalmente "vermelhos", além de atrair a atenção e obter o apoio dos jovens, que não se interessavam pela política colocada em termos de disputa partidária.
Durante as primárias, ele teve que disputar dentro do próprio partido em condições desiguais com a senadora Hillary Clinton, que era considerada a candidata oficial dos democratas.
Também aí ele se mostrou capaz de se impor sem criar obstáculos intransponíveis para uma reunião partidária durante a campanha final, que afinal está permitindo que ele use vários assessores de Clinton em seu grupo de transição. E pense em aproveitar até mesmo republicanos em sua equipe de governo.
Se os democratas conseguirem, no entanto, conquistar a 60ª cadeira no Senado, será preciso muito sangue-frio para impedir que a arrogância da vitória completa não tome conta do partido.
Talvez seja preferível para os objetivos de mais longo prazo do presidente Barack Obama que o republicano Saxby Chambliss seja confirmado na Geórgia. |