A CPI de Palocci, o “querido companheiro” GUILHERME FIUZA
Política

A CPI de Palocci, o “querido companheiro” GUILHERME FIUZA


REVISTA ÉPOCA

O ex-Ministro-Chefe da Casa Civil já estava sangrando havia quase um mês, quando subitamente resolveu não ficar mais no governo. Assim como Lula um dia acordou invocado e resolveu ligar para o Bush, Antonio Palocci acordou invocado e resolveu pedir demissão. O procurador-geral tinha até dado de presente ao ministro consultor um parecer de inocência – cumprindo sua função de procurador, que é procurar e não achar –, mas Palocci resolveu ir assim mesmo, arrancando lágrimas de Dilma. Quase um mártir.

Nos bastidores, Lula estava trabalhando firme pela permanência do ministro consultor. A convocação dele para dar explicações à Comissão de Agricultura da Câmara já estava neutralizada: o presidente da Casa, o petista Marco Maia (que obedece porque tem juízo), estava pronto para "desconvocar" Palocci – em mais um ato tipicamente democrático da República progressista.

No Jornal Nacional, o ministro já explicara que o debate sobre suas consultorias não interferia em nada no funcionamento do governo. Nada de crise, estava tudo bem. A única preocupação de Palocci era não dar os nomes de seus clientes, para não expô-los. Uma questão de ética.

Estava tudo encaminhado para o final feliz, que celebraria a união estável entre os dois Paloccis: o político governista e o consultor privado. Duas pessoas distintas, juridicamente independentes, por acaso abrigadas no mesmo corpo físico. Os R$ 20 milhões arrecadados magistralmente pelo Palocci consultor em 2010 nada tinham a ver com o Palocci político, aquele que foi comandante da campanha presidencial de Dilma. Talvez os dois Paloccis nem tivessem conta no mesmo banco. Uma união moderna, em que cada um cuida do que é seu.

É uma história plena de compreensão de parte a parte. O consultor entendeu quando o político lhe pediu para fechar a empresa. Afinal, ele ia assumir um ministério no novo governo. O Palocci consultor ainda deve ter argumentado que isso não fazia muita diferença, já que sua empresa atingira o auge quando o Palocci político trabalhava na montagem do novo governo. Influência por influência, só mudava mesmo o endereço para correspondência. Mas o político ia ter de passar mais tempo em Brasília, e, como o consultor estava baseado em São Paulo, o vai e vem poderia desgastar a relação.

Faltavam poucas assinaturas para a instalação da Comissão. E qual seria a finalidade? Seguir o dinheiro

O consultor concordou então em encerrar as atividades da empresa, dando uma aula de inovação. Como ele explicou na televisão, o grosso da dinheirama entrou de uma vez só porque a empresa anunciou um "fim de papo" a seus clientes, e assim todos imediatamente meteram as mãos nos bolsos e pagaram tudo a Palocci – independentemente dos prazos dos contratos e dos cronogramas de serviços e remunerações. Um belo ato de solidariedade corporativa, algo inteiramente novo no mundo empresarial.

Numa história repleta de gestos compreensivos e magnânimos, dá para entender a emoção de Dilma ao se despedir do "amigo" e "querido companheiro" Palocci. Com tanta inocência, doçura e gratidão, o pedido de demissão do ministro soou quase como um acidente natural, uma trapaça do destino. Afinal, estava tudo bem entre o governo, o partido, o ministro, o consultor e seus clientes.

O único detalhe que não aparecia muito bem nesse álbum de família era um requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Faltavam poucas assinaturas para a instalação da CPI do Palocci. E qual seria a finalidade dela? Basicamente, seguir o dinheiro. Os parlamentares iam querer saber quem quer ser um milionário à custa de Palocci – supondo que talvez ele não quisesse tudo para si, dado o espírito solidário que caracteriza seu partido.

Foi aí que, subitamente, a mão salvadora de Lula sumiu e o ministro pediu o boné.

Uma tristeza, como declarou Dilma. Agora, o mínimo que o Brasil pode fazer é seguir adiante com a CPI do Palocci. Não é justo deixar um amigo cair no esquecimento.



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