Quando uma aliança de poder se sustenta quase que exclusivamente sobre
as bases voláteis da barganha política e dos interesses rasteiros dos
mandachuvas, a máquina do governo inevitavelmente acaba tropeçando na
escassez de competência gerencial da companheirada ou no excesso de
ambição dos chefetes de facção. Exemplos abundantes da incapacidade do
governo federal de tocar com um mínimo de eficiência seus projetos
mais importantes, como os do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), esgotam a paciência de qualquer um. Mas a lambança armada na
disputa de poder entre executivos de primeiro escalão do Banco do
Brasil (BB) e da bilionária caixa de previdência dos funcionários da
casa - a Previ - parece ter levado ao limite a tolerância da chefe do
governo com aquilo que ela própria costuma chamar, eufemisticamente,
de "malfeitos".
O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, é desafeto declarado
do presidente da Previ, Ricardo Flores, que conta com o apoio de gente
importante do PT. E a desafeição é recíproca. Ambos são reconhecidos
como profissionais competentes na área financeira, julgamento
respaldado pelos balanços do banco e do fundo de pensão. Mas nenhum
dos dois - obviamente afinados com os interesses dos figurões do
governo e dos partidos que lhes garantem a retaguarda - está
satisfeito com a extensão de seus domínios. Engalfinharam-se, então,
numa disputa pública que ultrapassou o limiar da baixaria quando veio
à luz a evidência de que o conflito está sendo municiado com quebra
ilegal de sigilo bancário e dossiês destinados a comprometer a
reputação dos oponentes. O que, aliás, não chega a ser novidade,
considerando que esses são, historicamente, recursos diletos das
falanges petistas. E que, afinal, não são usados exclusivamente contra
inimigos "de fora".
O imbróglio fez soar o alarme no Palácio do Planalto já no fim do ano
passado, quando começaram a vazar informações - ao que tudo indica,
baseadas em quebra ilegal de sigilo bancário - de que um dos
vice-presidentes do BB, Allan Toledo, estaria envolvido numa
"movimentação financeira atípica" de quase R$ 1 milhão. Toledo era
aliado do presidente da Previ. Foi demitido em dezembro pelo Conselho
de Administração do banco, presidido pelo secretário executivo do
Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. O presidente do banco, Bendine,
a quem Toledo teria "traído", é considerado homem de confiança do
ministro Guido Mantega.
Com o recrudescimento da guerra entre os comandos do BB e da Previ, a
presidente da República chegou à conclusão de que era hora de
intervir. Enviou, segundo fontes do próprio Palácio do Planalto,
emissários para dar um ultimato a Bendine e a Flores: o fim das
hostilidades ou a demissão de todos. E agora o Ministério da Fazenda
instruiu o Banco do Brasil a abrir uma sindicância para tirar a limpo
as suspeitas de quebra ilegal de sigilo bancário e as denúncias de
irregularidades que resultaram na queda de um dos vice-presidentes da
instituição. Ao que tudo indica, portanto, outras cabeças podem rolar.
É impossível prever o resultado final dessa lamentável lambança que
envolve duas das mais importantes instituições financeiras do País
controladas pelo governo. Este parece agir agora movido, por um lado,
pela preocupação de preservar, num mercado extremamente sensível a
extravagâncias de qualquer tipo, a credibilidade tanto do Banco do
Brasil quanto da Previ. E, por outro lado, de evitar que a
irresponsabilidade política de dois de seus principais agentes e
respectivas entourages comprometa a imagem do próprio poder central.
Dessa perspectiva, o ultimato de Dilma tem todo cabimento.
Ocorre que, numa situação extrema, a presidente poderá livrar-se dos
presidentes do BB e da Previ para salvar as aparências. Mas o
sacrifício dos dois peões será claramente insuficiente para abater a
ambição desmedida por poder que acaba colocando o interesse público em
plano secundário. Por detrás de Bendine e de Flores agem, à sorrelfa,
figuras influentes encasteladas nos escalões superiores tanto do
governo quanto dos partidos que o apoiam. De pouco adianta espantar as
moscas que se refestelam no bolo do poder.