A Grande Oportunidade
Política

A Grande Oportunidade


Há menos de três meses atrás, quando foi assumida a vinda da troika e a inevitabilidade de Portugal submeter-se a um programa de austeridade, algumas vozes sussurraram timidamente que tal poderia ser uma oportunidade para Portugal. No meio da reprovação geral que então se fazia sentir (incluindo à direita), alguns economistas e empresários mais irreverentes lá foram dizendo que poderia ser uma boa oportunidade para o país fazer as reformas de que tanto necessita. No meio do ferido orgulho nacional, tais vozes não foram particularmente aplaudidas. Curiosamente, tal ideia foi ganhando uma amplitude cada vez maior. No final da campanha eleitoral, o PSD já o afirmava sem grandes hesitações e, no momento actual, Passos assume-o como a sua grande missão. Importa então esmiuçar um pouco melhor a referida “oportunidade”.

Desde a transição para a democracia, o liberalismo económico nunca assumiu um particular destaque no quadro das ideias políticas a nível nacional. Tais posicionamentos não só eram largamente minoritários no eleitorado, como nos próprios partidos políticos estavam reduzidos a franjas pouco significativas. A direita política no Portugal democrático nunca se destacou pelo seu liberalismo económico, atribuindo sempre ao Estado um papel grande nas suas políticas. Curiosamente, parecem estar reunidas as condições para que tal panorama mude bruscamente. Correndo o risco de parecer panfletário, a caminho dos 40 anos de democracia, nunca como hoje as condições foram tão propícias à implementação de um quadro global de medidas de teor liberal. Uma grande oportunidade para todos os que advogam tais abordagens.

As condições para avançar no referido sentido são de facto excepcionais. Por um lado, existe um compromisso externo com a troika que confere a este tipo de abordagens uma legitimidade considerável. O memorando da troika pode funcionar inclusive como um alibi perfeito para a aplicação de medidas menos populares. Em segundo lugar, teremos um executivo que assume abertamente a sua inspiração nestes domínios. Fê-lo inclusive em campanha eleitoral, o que chegou a ser considerado contraproducente. Possui portanto um mandato claro para avançar no referido sentido. Em terceiro lugar, embora Cavaco Silva não seja conhecido por ser um particular adepto das doutrinas liberais, é certo que não colocará obstáculos a partir de Belém às referidas abordagens.

Em quarto lugar, embora tal possa não suceder por muito tempo, o principal partido da oposição (PS) encontra-se amarrado ao compromisso assumido com as instituições internacionais. Não pode portanto, pelo menos para já, levantar obstáculos de maior ao rumo previsto. Em quinto e último lugar, está criado um sentimento na sociedade portuguesa aberto a tal tipo de abordagens. A mensagem de que “andamos a viver acima das nossas possibilidades” entrou no sub-consciente colectivo, estando agora o eleitorado particularmente mentalizado para sacrifícios e medidas excepcionais.

Posto isto, encontra-se aberto como nunca o caminho para que reformas liberais de fundo alterem o panorâma económico a nível nacional. Medidas como a diminuição de impostos sobre a actividade económica, o recuo do Estado em sectores como a educação, saúde ou segurança social e uma série de privatizações são apenas alguns exemplos. Não admira portanto que Passos Coelho tenha chegado de Bruxelas com a promessa de antecipar algumas medidas e de avançar até com medidas adicionais. Este é o momento perfeito para avançar com tal agenda. Os que concordam com ela sabem-no e os que dela discordam precisarão de forças extra para contrariá-la.


Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Blippitt)



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