A Lição da WikiLeaks
Política

A Lição da WikiLeaks


Até há pouco tempo atrás, a cultura de fechamento rodeava sempre os assuntos públicos considerados de elevada importância. Considerava-se assim que as dinâmicas políticas e de governação da causa pública dificilmente seriam entendíveis pelo cidadão comum. Daí este ser mantido afastado de tais “complexidades”. Só nas últimas décadas, nomeadamente nos últimos anos, se tem feito sentir uma pressão cada vez maior para a abertura dos governos e administrações públicas perante os cidadãos. Princípios como a transparência têm vindo a impor-se em nome de um cidadania mais informada e participativa. O aprofundamento dos regimes democráticos assim o tem determinado. O Open Government é aliás uma das temáticas do momento nas teorias da governação pública.

No entanto, apesar do ritmo progressivo da abertura, as resistências no seio das entidades públicas continuam a ser muitas. É toda uma cultura que está em causa. A possibilidade de os cidadãos poderem monitorizar passo a passo o que os poderes públicos andam a fazer causa confusão em ínumeros quadrantes. E continuam a existir inúmeros sectores cuja capacidade de acompanhamento dos cidadãos se mantém praticamente nula. A título de exemplo, as pastas da Defesa e dos Negócios Estrangeiros são áreas onde o Open Government se afigura mais distante. Com o argumento de que está em causa a segurança nacional e os interesses estratégicos do país no mundo, os Estados mantêm os cidadãos bem afastados destes domínios.

Neste contexto, a recente acção da Wikileaks constituiu uma autêntica pedrada no charco, colocando ao alcance de todos o tipo de actividade desenvolvida pelos corpos diplomáticos. Apesar do material que tem sido divulgado ser proveniente do mais poderoso país do mundo, este não se tem revelado muito diferente do que seria descoberto nas comunicações diplomáticas de qualquer outro país. A actividade diplomatica assenta aliás em muito do que tem sido revelado pela Wikileaks: observar/espiar, interpretar e até conspirar. Trata-se de um mundo de cinismos, de realpolitik a todos os níveis, que sempre funcionou assim.

Mas será que deverá permanecer assim? Os cidadãos não deverão ter direito a melhor saber o que andam a fazer os seus corpos diplomáticos? Direito a saber o rumo da política externa dos seus países? A acção da Wikileaks começa a assumir-se como uma marco importante neste sentido. Embora tenha seguido um modelo com inúmeros riscos, centrando-se apenas na divulgação em massa de informação de um país, podendo a mesma ser facilmente destorcida, a informação divulgada tem vindo a demonstrar todo um sub-mundo que estava muito longe de poder ser monitorizado pelo cidadão comum.

Tratou-se assim de uma espécie de acção de choque contra o carácter totalmente fechado do mundo da diplomacia. E o impacto tem sido tão grande e o incómodo tão manifesto que levou a uma caça ao homem sem precedentes. Envolveu o poder político, judicial, mas também grandes empresas com o objectivo imediato de neutralizar a organização.

Como é evidente, dificilmente será defensável a total transparência das comunicações diplomáticas. Mas a presente acção vem sublinhar que os governos têm de ser muito mais abertos nestes domínios. Os cidadãos têm de estar melhor informados do que andam a fazer. E a transparência é também uma salvaguarda para a primazia da Direito (nacional ou internacional): é que a coberto do secretismo, os maiores atropelos são cometidos, como aliás está agora a ser demonstrado.

Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
(Imagem: Faculdade de Ciências - UL)



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