O pior emprego do mundo
É o de príncipe-herdeiro da Inglaterra. Sem outra
função oficial, sua única ocupação na vida é esperar
pela morte da mãe, a rainha
Thomaz Favaro
Tim Graham/Getty Images | Elizabeth II (1926-) Tempo de reinado: 56 anos Charles (1948-) Idade atual: 59 anos Às vésperas de completar 60 anos, Charles sabe que sua mãe, com 82 anos, não tem planos de abdicar a seu favor |
A monarquia inglesa está assentada sobre o pilar da tradição. Mas, como a família real apreendeu, da forma mais amarga, com a confusão em torno da princesa Diana, não há como escapar à realidade do século XXI. Recentemente, um jornal inglês revelou que, no bojo de uma reforma constitucional mais ampla, o primeiro-ministro Gordon Brown estuda propor a modificação de duas normas da sucessão real. A primeira é a que dá preferência aos príncipes sobre as princesas, independentemente de quem tenha nascido primeiro. Elizabeth II, que só é rainha porque tinha apenas uma irmã, já disse que não tem objeção a que a coroa passe ao rebento mais velho do monarca, seja homem, seja mulher. O popular reinado de Elizabeth, por si só, faz a norma parecer anacrônica e sexista. A segunda proposta é mais controversa. Trata-se de revogar a lei, em vigor há 300 anos, que proíbe um católico de ser coroado rei da Inglaterra. Os católicos ingleses, que constituem a segunda maior denominação religiosa do país, com 4,2 milhões de fiéis, reclamam que a lei exclui sua fé, mas não qualquer outra. Por injusta que pareça aos olhos contemporâneos, essa lei, de 1701, serviu para colocar fim às sangrentas disputas pelo trono entre pretendentes católicos e protestantes.
É interessante que, até onde se sabe, nenhum reformador tenha dedicado um único pensamento a um problema premente da monarquia: a ociosidade do príncipe herdeiro. A questão não poderia ser mais atual, visto que Charles está a um mês de completar 60 anos. Não é agradável dizer, mas sua única ocupação na vida vem sendo a de aguardar a morte da mãe. Pela Constituição não escrita da Inglaterra, o príncipe de Gales não tem outra função senão aguardar o momento de ser rei. Como ocorre com a própria rainha, espera-se que o herdeiro evite se envolver em política, ainda que não seja proibido de expressar opinião pessoal sobre temas amenos. A maioria dos vinte príncipes de Gales que antecederam Charles ficou pelos palácios ociosa até o momento de subir ao trono. A espera pode ser mais ou menos tediosa, dependendo da longevidade do reinado. Por esse critério, Charles realmente tem a pior profissão do mundo, pois o reinado de sua mãe, iniciado em 1952, é o terceiro mais longo da história da monarquia inglesa. Há quem acredite que a ociosidade seja especialmente dolorosa para Charles devido a sua boa educação. Ele é o primeiro herdeiro do trono inglês com diploma universitário. Para que serve tanto estudo se sua única atividade oficial é cortar fitas em inaugurações?
O príncipe tentou mudar essa situação no fim dos anos 80, quando se aproximou dos 40 anos. Havia se casado com Diana em 1981 e cumprido seu dever número 1, o de gerar herdeiros reais. Com Elizabeth II no vigor de seus 60 anos, ele precisava encontrar o que fazer pelos vinte ou trinta anos seguintes. Charles tentou se mostrar socialmente ativo – envolveu-se em controvérsias sobre a arquitetura moderna (ele é contra) e deu palpites sobre alimentos orgânicos –, mas seus esforços provocaram zombaria na imprensa e má vontade na parentela real. Quando seu casamento entrou em parafuso, todo mundo ficou do lado da linda princesa e Charles não teve alternativa exceto voltar a ser príncipe herdeiro em tempo integral.
Oito em cada dez ingleses são a favor de mudanças nas regras sucessórias. Outras famílias reais na Europa já reformaram sua legislação para permitir que o primogênito do rei seja o herdeiro, independentemente de seu sexo. A Suécia o fez em 1980 e foi seguida por Holanda, Noruega e Bélgica. Mesmo na Inglaterra, a tentativa de reformar as leis de sucessão ao trono não é uma novidade. Há propostas similares desde a década de 1980, mas aprová-las não é nada simples. "Há sete itens na Constituição inglesa que precisam ser modificados e outros quinze países pertencentes à Comunidade das Nações têm de alterar a própria legislação", disse a VEJA o inglês Robert Hazell, especialista em reformas constitucionais da University College London. "Com tantos obstáculos, é pouco provável que o governo emplaque a reforma antes que haja um problema real de sucessão."
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