Política
A morte de um político ficha limpa
No velório do ex-vice-presidente José Alencar. Foto: Sérgio Amaral
Quando José Sarney (PMDB) era presidente da República, seu colega de partido, o senador Fernando Henrique Cardoso, costumava observar galhofeiro ao saber que ele viajara:
- A crise viajou.
Na volta de Sarney, Fernando Henrique ironizava:
- A crise está de volta.
É claro que adversários de Fernando Henrique se valeram da mesma graça quando ele se elegeu e se reelegeu presidente da República.
A boutade não se aplicou ao presidente Itamar Franco - primeiro porque ele viajou pouquíssimo, segundo porque soube enfrentar com rapidez as crises que ameaçaram seu governo.
Itamar foi chamado de caipira e gozado por seus desafetos. Mas a História, agora que ele morreu, lhe fará justiça.
Atribui-se o Plano Real ao então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. Esquece-se que o presidente era Itamar. Se o Real tivesse ido pelo ralo, Itamar seria o primeiro a pagar a conta. Teve a coragem de bancá-lo.
Elogia-se o desempenho de Fernando Henrique como ministro das Relações Exteriores e, depois, como ministro da Fazenda. Mas foi Itamar quem ousou pôr um sociólogo no Ministério da Fazenda.
O Real elegeria um poste - quanto mais o ministro da Fazenda cuja assinatura, por concessão de Itamar, apareceu nas novas cédulas de uma moeda com o mesmo peso do dólar.
Antonio Carlos Magalhães era o todo-poderoso governador da Bahia quando bravateou que tinha um dossiê sobre corrupção no governo Itamar.
Foi convocado por Itamar para mostrar o dossiê em audiência no Palácio do Planalto. Ao chegar lá, para sua surpresa, havia um monte de jornalistas reunidos para testemunhar a cena.
O tal dossiê não tinha consistência. Antonio Carlos saiu da audiência furioso.
Henrique Hargreaves, chefe da Casa Civil do governo Itamar, foi afastado do cargo à primeira denúncia de que poderia ter se envolvido em irregularidades. Itamar nem pestanejou.
Uma vez provada a inocência dele, foi chamado de volta.
O embaixador Rubens Ricúpero substituiu Fernando Henrique no Ministério da Fazenda. Um dia, em conversa informal com o jornalista Carlos Monfort da TV Globo, antes do início da entrevista que lhe concederia em seguida, produziu um desabafo que se tornaria famoso:
- Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente mostra. O que é ruim a gente esconde.
O microfone de lapela posto no ministro estava aberto - e ele não sabia. Monfort também não.
O que disse Ricúpero foi captado por antenas parabólicas em regiões remotas do país. Não foi levado ao ar por nenhum telejornal daquele e dos dias seguintes.
Nem por isso Itamar hesitou: Ricupero foi substituído por Ciro Gomes, na época governador do Ceará.
Itamar era assim.
Dele, Tancredo Neves afirmou um dia:
- Dizem que Itamar tem sorte. Não é sorte. É destino.
Itamar foi um político ficha limpa. Limpíssima. E esse será seu maior legado.
Do blog do Ricardo Noblat
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