A politização da greve da polícia em São Paulo
Política

A politização da greve da polícia em São Paulo


Vale-tudo eleitoral

As campanhas de Marta Suplicy, em São Paulo, e de
Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, lançam mão de golpes
baixos contra seus adversários, Kassab e Gabeira


Fábio Portela e Ronaldo França


Fotos Clayton de Souza e Mario Angelo/AE
GREVISTAS ARMADOS
Policiais civis desafiam os militares antes do conflito. O governador Serra denunciou o caráter eleitoral da bagunça

Disputas eleitorais aguerridas fazem parte do cardápio de qualquer democracia digna deste nome. E, quando a temperatura da batalha está muito alta, é desculpável que os candidatos subam um pouco o tom das críticas mútuas. O que não é admissível é que, em nome da disputa pelo poder, sejam jogadas no lixo as regras mínimas da ética, da decência e da responsabilidade. É isso que vem ocorrendo em São Paulo e no Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país. As candidaturas de Marta Suplicy, do PT paulista, e de Eduardo Paes, do PMDB fluminense, transformaram a reta final das eleições municipais num período que será lembrado com vergonha. Para tirarem votos de seus adversários – Gilberto Kassab, do DEM, e Fernando Gabeira, do PV, respectivamente –, as campanhas de Marta e Paes degeneraram em um caldo de insinuações preconceituosas de caráter sexual, calúnias publicadas em panfletos clandestinos e uso ostensivo da máquina pública.

A delinqüência eleitoral culminou, na última quinta-feira, com a transformação das ruas próximas ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, em uma praça de guerra. O que parecia ser um confronto entre a Polícia Civil, que está em greve e tentava invadir o palácio, e a Polícia Militar, que defendia o prédio, era, na verdade, uma ação engendrada por sindicalistas irresponsáveis, liderados pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, que preside a Força Sindical apesar de ser acusado de desviar dinheiro do BNDES com a ajuda do dono de um prostíbulo. Paulinho deveria ter um único diálogo com a polícia: a confissão. Deram-lhe a chance de seguir outro caminho. Aliado de Marta, ele insuflou os policiais contra o governador José Serra, para atingir a candidatura de Kassab, apoiado pelo tucano. Paulinho escancarou seu objetivo em um discurso feito a policiais na semana passada: "Estamos chegando às vésperas do segundo turno. O chefe de vocês, que é o José Serra, sabe que tem de ganhar as eleições. E sabe que uma greve da polícia tem repercussão nacional. A proposta que eu quero fazer aos companheiros é que, na semana que vem, na quinta-feira, a gente faça uma passeata saindo do Morumbi, com carro de som, com bandeira, com faixa. E, do Morumbi, vamos para a porta do Palácio dos Bandeirantes". Ofereceu 200 carros de som e apoio da Força Sindical para encorpar a passeata.


Marcos D’Paula/AE
CAMPANHA INFAME
A Kombi da campanha de Eduardo Paes, do PMDB, apreendida no Rio estava repleta de impressos clandestinos contra o verde Gabeira

Os grevistas compareceram armados – o que configura sedição, e não protesto trabalhista. O saldo foi o único que se podia esperar: os policiais civis entraram em confronto com os militares, que bloquearam o caminho. Houve tiroteio, ataques com armas de bala de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Ao final, 24 pessoas ficaram feridas, incluindo o coronel da PM Danilo Antão Fernandes, baleado com uma pistola de calibre 9 milímetros. Paulinho saiu ileso. O sindicalista mandou os policiais e seus colegas para os escudos da polícia, enquanto estimulava a turba da retaguarda. Juntamente com ele estava o líder do PT na Assembléia Legislativa, Roberto Felício. "Não foi um duelo entre forças policiais, mas um movimento incitado politicamente. Houve participação da CUT, que é ligada ao PT, e da Força Sindical, ligada ao PDT", denunciou o governador José Serra.

Não foi o primeiro ato aloprado da campanha de Marta. No último domingo, a petista desceu ao subsolo ao divulgar um comercial de TV com especulações maliciosas sobre a sexualidade do prefeito Kassab, de 48 anos, solteiro e sem filhos. Para justificar a ignomínia, a petista e seu marqueteiro, João Santana, botaram, é claro, a culpa na imprensa. Disseram que os jornalistas têm a mente poluída e vêem preconceito onde ele não existe. A Justiça Eleitoral não se convenceu e puniu a campanha petista com a perda de 104 minutos de comerciais no horário político da TV e 102 no do rádio. O episódio, que apequena a biografia de Marta e Santana, não teve impacto eleitoral: Kassab segue liderando com folga a disputa. De acordo com o Datafolha, ele tem 53% das intenções de voto, contra 37% da petista.

Imaginava-se que o segundo turno no Rio daria lugar a um debate de alto nível, mas lá também a campanha descambou para a baixaria. O alvo foi o verde Gabeira, cujo desempenho surpreendente tem tirado do sério a campanha de Eduardo Paes. Segundo o Datafolha, ele tem 44% das intenções de voto, contra 42% do peemedebista. Nas duas últimas semanas, foram distribuídos folhetos em que o verde é acusado de discriminar os suburbanos. O objetivo era explorar uma gafe de Gabeira, que se referiu à vereadora tucana Lucinha, a mais votada da cidade, como uma "analfabeta política, com uma visão suburbana". Paes tomou as dores de Lucinha, não para defendê-la, mas para jogar o adversário contra o eleitorado da Zona Oeste da cidade, que deverá ser decisivo nesta eleição. Peemedebistas organizaram ali uma passeata cujo mote era "fora Gabeira" e começaram a distribuir os tais panfletos, que não traziam a assinatura de Paes. Na semana passada, o Tribunal Regional Eleitoral flagrou uma Kombi lotada com esses papéis. Os ocupantes do veículo admitiram trabalhar para o PMDB.

A campanha carioca foi manchada, ainda, pelo uso da máquina estadual. O governador Sérgio Cabral não poupa esforços para beneficiar Paes, seu aliado. Depois de um quebra-quebra de cabos eleitorais, seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, entregou à campanha de Paes a ficha policial de um militante do PV agredido por peemedebistas. Encabeçou, portanto, uma tentativa de desqualificar a vítima para limpar a barra do agressor. Nem o futebol escapou. No Estádio do Maracanã, há um serviço que permite aos torcedores mandar mensagens de texto de seus celulares para ser exibidas no placar eletrônico, durante os jogos. Numa partida entre Flamengo e Atlético Mineiro, o telão do estádio exibiu os dizeres "Parabéns, Eduardo Paes" e "O subúrbio merece respeito". Nenhuma das mensagens dos eleitores de Gabeira foi exibida. Outro gol contra do governo Cabral.

Para o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, baixaria não dá resultado. "O eleitor é esperto e bem informado. Esse tipo de ação não se reverte em votos." Suas pesquisas confirmam a análise. A uma semana da eleição, os dois candidatos que partiram para o vale-tudo continuam atrás de seus oponentes. Seria muito bom se os candidatos que enfiaram o pé na lama se esforçassem para manter pelo menos a cabeça fora dela.


Fotos Danilo Verpa/Folha Imagem e Marlene Bergamo/Folha Imagem

Fotos Alessandro Costa/AE




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