A relação da política com a verdade sempre foi bastante atribulada. Dependendo o poder, democrático ou não, de algum de apoio popular, o discurso político sempre foi particularmente permeável à meia verdade. Não é por acaso que o termo “demagogia” tem a sua origem, tal como os termos “política” ou “democracia”, na Grécia Clássica. No entanto, esta difícil relação da política com a verdade não é absolutamente estanque ou imutável. Existem altos e baixos, com períodos em que a mesma se faz sentir de forma particularmente crítica e outros em que a mesma parece mais pacífica. O momento que atualmente vivenciamos é com certeza um dos mais críticos de que há memória na democracia Portuguesa.
De facto, parece que todos os limites de falta de verdade na política são regularmente ultrapassados. Os exemplos surgem-nos a um ritmo impressionante. E já nem é preciso recordar que Passos Coelho foi eleito com o discurso de que poderíamos equilibrar o défice cortando apenas nas gorduras do Estado. Esse discurso já lá vai há muito. Podemos pegar em casos bastante mais recentes. Numa semana, por exemplo, tivemos oportunidade de perceber que afinal os dois salários retirados aos funcionários públicos nunca serão repostos na íntegra antes de 2016. Dos dois anos de penitência inicialmente previstos, passámos num piscar de olhos para um mínimo de quatro anos. Esta questão não tinha sequer arrefecido e surgiu o congelamento secreto das reformas antecipadas. Curiosamente, pior do que o gesto de congelar e de forma secreta, foi a justificação avançada pelo Governo e pelo próprio Presidente da República de que se tratou de uma questão de “interesse nacional”.
O cumprimento ou não de uma promessa ou compromisso político passou a ser um detalhe no contexto atual. E torna-se particularmente lamentável constatar que os cidadãos já nem esperam outra coisa que não as mentiras. Parecem já não querer perder tempo a chatear-se com mais uma mentira do Governo. Embarca-se assim num perigoso estado de alheamento face ao que se está a passar, algures entre o fado, a resignação e a revolta interior contra tudo e contra todos.
Não querendo recorrer a jargões excessivos, a confiança mínima dos cidadãos nos responsáveis políticos é fundamental para o funcionamento da democracia. Se se assume que a verdade é um mero detalhe e que os cidadãos por vezes não estão à altura da verdade, é porque se entende a democracia como algo que pode ser suspenso por uns tempos em nome do “interesse nacional”. É um bocadinho grave, portanto.
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