Não teremos, como antes, saltos discretos da inflação, mas sim um movimento suave e continuado
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O TEMA da coluna de hoje certamente vai reforçar a visão negativa que muitos têm sobre os economistas. Mesmo correndo esse risco, não posso deixar de alertar o leitor da Folha para uma armadilha que pode ocorrer ainda na primeira metade de 2010: a aceleração da inflação como ameaça ao céu de brigadeiro na economia. Parece coisa de neurótico falar dos riscos da inflação em um mundo que vive uma difícil convalescença recessiva. Na maioria das economias -sejam elas do Primeiro Mundo ou do mundo emergente- temos ainda uma recuperação muito tímida da atividade econômica. Nos casos norte-americano e inglês, os riscos de uma volta a um quadro recessivo -"double dip"- são ainda reais. Por isso, a maioria dos bancos centrais reafirmou nas últimas semanas que suas políticas de acomodação monetária vão continuar por um tempo ainda longo. Em resposta, os mercados de juros têm operado nos níveis mais baixos dos últimos meses. Mas o Brasil é uma exceção à regra. Os últimos dados de emprego divulgados são a prova mais recente de uma economia com grande exuberância. Eu e meus colegas da Quest -certamente um dos grupos do mercado financeiro mais otimistas com o futuro- fomos surpreendidos pela geração de empregos formais no mês de agosto passado. Por esse motivo revimos -mais uma vez- nossas projeções para o crescimento no próximo ano. O número de 6% ao ano hoje é realista. Poderemos viver a partir da primeira metade de 2010 uma dinâmica de crescimento próxima à verificada entre 2007 e outubro de 2008: um consumo vigoroso, sustentado por uma massa salarial que cresce pela adição de emprego e pelo crescimento real dos salários, por uma queda importante nas taxas de juros e pela normalização do mercado de crédito, com redução do "spread" cobrado pelos bancos. Esse movimento estará associado a uma tentativa das instituições privadas de recuperar o espaço perdido para os bancos públicos nos últimos meses. Não tenho dúvida sobre a volta dos investimentos em 2010, pois as empresas brasileiras não vão correr novamente o risco de perder mercado para as importações. Apenas as exportações não devem repetir no ano que vem o papel de importante fonte de crescimento interno. Parte significativa do mundo exterior ainda estará em período de convalescença e de baixo dinamismo. Mas em seu lugar teremos o estímulo representado pelos gastos do governo, que estarão em níveis bem superiores aos do período pré-crise de 2008. Não acredito que -depois de ter provado as delícias do aumento dos gastos públicos- o governo Lula voltará à disciplina fiscal anterior. Ainda mais em um ano de acirrada disputa eleitoral. Sou velho demais para acreditar em Papai Noel. Nesse cenário, vamos voltar a viver tensões inflacionárias a partir, principalmente, do mercado de trabalho. Como esse é no Brasil do real forte o mais importante canal de transmissão da inflação, os riscos parecem reais -e não imaginários. Não teremos, como no passado, saltos discretos nas taxas de inflação -esse tempo ficou realmente para trás-, mas sim um movimento suave e continuado, que pode ter início na primeira metade de 2010. Se isso ocorrer, certamente a reação dos mercados futuros de juros será mais forte do que a vista até agora, mesmo considerando que os preços de hoje já contemplem um aumento importante da taxa Selic ao longo de 2010
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