Uma nova fronteira para os juros Luiz Carlos Mendonça de Barros
Política

Uma nova fronteira para os juros Luiz Carlos Mendonça de Barros


FOLHA DE S. PAULO

Falar sobre uma taxa de juros de 8% ao ano em meados de 2010 não me parece uma irresponsabilidade

AGORA QUE as informações sobre o comportamento da economia brasileira nos últimos meses criaram uma convergência de previsões, podemos encarar o ano de 2009 de frente. Até a divulgação dos dados recentes sobre o PIB e dos últimos indicadores da inflação no atacado, ainda existiam bolsões de dúvida sobre o impacto da crise externa sobre a economia brasileira.

De um lado, o governo vendendo seu discurso otimista sobre os efeitos da crise e apostando em um crescimento ainda vigoroso neste ano; de outro, os economistas mais conservadores, inclusive na diretoria do Banco Central, chamando a atenção para os riscos inflacionários criados pela desvalorização do real. Habituados a olhar apenas para o passado, justificavam os juros altos como defesa contra eventual choque inflacionário causado por um real desvalorizado em quase 40%.

A decisão do Copom da última quarta-feira mostra que o BC finalmente convenceu-se de que o chamado "pass through" do câmbio não vai ocorrer e que a queda da atividade econômica abre espaço para taxas de inflação mais baixas. Nossa autoridade monetária ainda esboça um discurso cauteloso em relação ao futuro, mas o mercado acredita que exista um espaço maior para redução dos juros. No mercado futuro da BM&F, os juros na virada de 2010 estão sendo negociados a uma taxa Selic de 9,60%.

A Selic abaixo dos 10% ao ano traz uma carga simbólica importante para nós, brasileiros. O mercado dá muita importância a taxa de juros de apenas um dígito como sinal de seriedade na condução da política econômica do país. Desde sua criação, em 1999, a Selic nunca havia cruzado essa fronteira. Por isso ainda existe o receio em segmentos da opinião pública sobre os riscos associados a esse movimento.

Mas a taxa de juros não é um fetiche a ser tratado com medo e insegurança. Ela é o instrumento mais importante na gestão macroeconômica e visa alcançar uma situação de crescimento econômico com estabilidade de preços. No quadro atual de desaquecimento bastante forte e com o aparecimento de uma capacidade ociosa expressiva no tecido produtivo brasileiro, o BC tem a oportunidade de olhar de forma mais concreta para a questão da preservação do crescimento.

Outro elemento importante no desenho da política monetária é o estado do mercado de trabalho. Antes do choque externo de setembro do ano passado, as pressões salariais eram um componente importante nas preocupações do Banco Central. No quadro atual, o aumento do desemprego, que vai acontecer ao longo dos próximos meses, reduzirá de forma importante essas pressões e permitirá uma queda mais acentuada da inflação.

Finalmente, uma força de natureza conjuntural que vai agir sobre a inflação em 2010 -a indexação ao IGP de vários preços de serviços importantes- também ajuda na redução mais agressiva dos juros. O IGP deve chegar a 3% neste ano, contra mais de 9% em 2008, reduzindo a rigidez dos preços administrados. As previsões sobre a inflação no próximo ano já mostram que uma taxa de 3% a 3,5% poderá ocorrer.

Se isso se confirmar ao longo dos próximos meses, não haverá por que a taxa Selic não bater novos recordes de baixa. Não me parece irresponsabilidade falar sobre 8% ao ano como um número a ser atingido em meados de 2010.



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