Depois do alívio, há o risco de dilúvio; num mundo mais calmo, para
onde irão os trilhões dos BCs?
POR VOLTA DE 2002 se tornou comum a conversa sobre a bolha imobiliária
americana na mídia especializada em economia.
A bolha seria inflada, se dizia então, pelas taxas de juros baixas,
pelos instrumentos financeiros que facilitavam a "invenção" de
dinheiro e o decorrente endividamento maciço, em particular das
famílias, que viam sua renda crescer devagar e se entupiam de crédito.
Em 2006, era evidente que a bolha imobiliária estourava. No início de
2007, começaram a explodir os primeiros fundos. O colapso era negado
com derrisão pela banca e pelo governo Bush.
Aliás, o rasgo no Titanic das finanças era negado por quase todo
mundo, no longínquo Brasil inclusive, pois "quase todo mundo" era
adepto da ideia da "nova ordem", da "grande moderação", do triunfo
derradeiro do capital que fazia o mundo crescer como nunca antes (o
que era, aliás, mentira).
O resto da história a gente continua vendo.
Do alerta da bolha a 2006, foram-se apenas quatro anos.
Juros a zero faz mais de três anos e trilhões de dólares despejados no
mercado suscitam hoje uma ou outra conversa sobre risco de bolha,
embora apenas gente mais caricata alerte sobre o novo apocalipse.
O dinheiro grosso do mundo voltou às ações e outros investimentos de
risco maior. Sai de títulos do Tesouro americano -os juros, pois,
sobem levemente. Mas isso parece apenas alívio do medo de colapso
financeiro e bancário na Europa, que foi às alturas no trimestre final
de 2011.
O índice de ações mais significativo dos EUA, o S&P 500, está a 10% de
sua máxima histórica, de outubro de 2007. Ontem, chegou a um nível
inédito desde maio de 2008. Não parece grande coisa, porém, levar
quase cinco anos para voltar ao mesmo lugar.
Mas note-se que o Nasdaq Composite, o olho do furacão da bolha
pontocom, chegou a 5.000 pontos em março de 2000, evaporou e não
passou de 2.500 por 11 anos.
Se houvesse uma bolha, porém, seria bolha do quê? Como seria inflada?
Mal refeitos do colapso, alguns falidos, os bancos europeus estão fora
do jogo. Os americanos, muito mais saudáveis, ainda vão se
recapitalizar e, parece, podem se alavancar menos (isto é, seu volume
de negócios vai ser muito menor, dado o seu capital).
As economias crescem devagar. O desemprego cai mais por desalento ou
"mudança demográfica estrutural" nos EUA (na Europa é crônico). Não há
grandes invenções onde jogar o dinheiro. Parece que uma das piadas da
crise resiste ("economia viciada em bolhas para crescer procura nova
bolha onde investir").
Há de fato um "tsunami" de dinheiro pelo mundo, como diz o governo
brasileiro. Há ativos hipervalorizados, como os títulos públicos dos
governos americano e alemão. Há talvez moedas hipervalorizadas, como o
real, mas isso é uma insignificância para o resto do mundo.
Mas dinheiro, como água, acha seu curso: no caminho, pode causar
erosões, cheias e secas súbitas, desaparecer temporariamente em
grandes depósitos (ainda o caso atual) e pode até evaporar -no caso do
dinheiro, em grandes colapsos (inflações e deflações). Ou "desta vez é
diferente" e o mundo vai sair em ordem da grande cheia monetária?