A crise global entra num quarto estágio, provavelmente menos agudo, porém mais sofrido. É a dolorosa fase da recessão, cuja profundidade e duração ninguém está em condições de prever.
O Japão e a maior parte da União Européia já estão oficialmente em recessão, com tudo o que vem junto: redução do patrimônio e da renda, quebra da produção e desemprego. Os Estados Unidos, se já não estão, se aproximam rapidamente dela. E o resto do mundo joga na defensiva, o que aprofunda a paradeira.
A primeira fase foi a do estouro da bolha e durou de julho de 2007 até janeiro deste ano. Ficou conhecida como a crise das hipotecas podres (subprime). Na percepção geral, o problema se restringia à queda dos preços dos imóveis americanos e ao aumento das execuções hipotecárias.
A segunda fase, de janeiro até setembro ou outubro, mostrou grave falta de liquidez na rede bancária dos Estados Unidos e da Europa. Um grande número de instituições financeiras se achou atolado em ativos micados de difícil mensuração. Ficou impossível avaliar a capacidade de solvência da rede, os próprios bancos deixaram de confiar um no outro, o crédito interbancário secou e, a partir daí, secou para o resto da economia. O pânico tomou os mercados, os preços das ações, commodities e matérias-primas mergulharam.
A terceira fase foi a do socorro global. O mais grave erro desse período foi a falência do Lehman Brothers, em meados de setembro, que acirrou o pânico. Bancos centrais e autoridades fiscais intervieram maciçamente para salvar as instituições financeiras bancárias e não bancárias cuja quebra acionasse o risco sistêmico e também para estimular o consumo. Em outubro, o Tesouro americano arrancou do Congresso a aprovação do pacote de US$ 700 bilhões a princípio destinado à compra de ativos podres, mas logo direcionado à capitalização dos bancos, foco que havia sido proposto pelo primeiro-ministro inglês, Gordon Brown. No início deste mês, a China aprovou um plano de incentivo ao consumo e aos investimentos em infra-estrutura de U$ 586 bilhões.
A fase seguinte começa agora; é a rápida disseminação da percepção de que a economia global avança inexoravelmente para a recessão. Apenas os emergentes terão crescimento significativo, mas com forte desaceleração. A China deve crescer em 2009 perto de 8,5%, uma enormidade nas circunstâncias, mas bem menos do que os 11,9% de 2007. E o Brasil, que neste ano deve apontar avanço do PIB da ordem de 5,0%, provavelmente não passará dos 3,2% em 2009.
É um mergulho de desdobramentos imprevisíveis. As crises da segunda metade do século passado e início deste século não passaram de turbulências locais, com baixos níveis de contágio. Esta é global.
Nas crises anteriores, a moeda do país encrencado sempre foi o primeiro ativo a despencar. Nesta, o dólar, a moeda do país epicentro da turbulência, está em franca valorização. Se toda crise é um tranco de ajuste, fica difícil saber como garantir um ajuste pleno nos Estados Unidos enquanto o dólar continuar entre os objetos de desejo.
Talvez isso implique que o resto do mundo seja obrigado a pagar a conta que seria endereçada preponderantemente aos Estados Unidos.
Confira
Plano amigo - Ontem o diário La Nación, de Buenos Aires, comemorava a decisão do governo brasileiro de não excluir os carros fabricados na Argentina do pacote de R$ 8 bilhões destinado ao crédito para a compra de veículos no Brasil.
A queda das vendas de veículos no Brasil em outubro (de 11% sobre setembro) alarmou os produtores argentinos. Das 527,6 mil unidades fabricadas no país nos dez primeiros meses do ano, 42% foram exportados para o Brasil.
Ainda assim, o governo argentino quer limitar as importações de produtos industriais provenientes daqui. |