O mercado financeiro viveu ontem um fim de tarde tenso com o
agravamento da crise nuclear no Japão. A luta para controlar os
reatores parecia perdida, deu a entender o presidente da Nuclear
Regulatory Comission do governo americano, Gregory Jaczo, no
Congresso. O nível de radiação no reator 4 de Fukijima era
"extremamente alto, a situação é mais grave que o governo japonês
acreditava e pode impactar a possibilidade de adotar medidas
corretivas", como a missão suicida de manter uma equipe para injetar
água no reator. Era o último esforço possível, disse ele.
A agência de energia da ONU convocou reunião extraordinária para os
próximos dias, autoridades da União Europeia diziam que a situação
está "fora de controle" e que os membros do G-8 poderiam reunir-se
para estudar medidas de apoio ao Japão.
Esse cenário que agora se confirma não chegou a abalar a crença de que
o governo japonês tem recursos para enfrentar a crise, mesmo que se
agrave. Não se previa maior repercussão na recuperação mundial, pelo
menos por ora. Mantinha-se ainda a estimativa de crescimento de 4,1%
do PIB.
O governo japonês sempre esteve preparado e reserva anualmente parte
do orçamento para prever desastres. Realizou obras preventivas, razão
pela qual o número de vítimas não foi o maior, como ocorreu na
Indonésia.
Duas fases. A tragédia japonesa teve dois tipos de repercussão no
mercado mundial. Na primeira fase, a redução da demanda derrubou a
cotação das matérias-primas, principalmente minério de ferro e
petróleo, que caiu abaixo de US$ 100 após ter chegado a US$ 120 com a
crise do Egito e da Líbia. Na fase seguinte, porém, isso deve se
reverter com os gastos do governo na recuperação das áreas destruídas
e no retorno da produção industrial afetada pela falta de energia. Ela
será suprida com importação de petróleo, gás e produtos básicos. Isso
já começou. Navio que levava gás à Rússia já havia sido desviado para
o Japão. Outros seguirão o mesmo caminho.
Quanto vai custar. As primeiras estimativas eram de que a reconstrução
deveria custar cerca de US$ 150 bilhões, mas ontem já se elevava a US$
250 bilhões. São recursos que entrarão em curto e médio prazos e
poderão tirar a economia do período de mais de 10 anos de deflação e
hibernação. Situação semelhante ocorreu após o terremoto de Kioto,
quando o PIB voltou a crescer 3% - ele custou menos, US$ 100 bilhões.
Mas o governo, que vive mais uma das eternas crises políticas, tem
recursos para agir rapidamente? A resposta veio logo. Primeiro, foi a
ação agressiva e surpreendente do até então morno banco central
japonês. Em apenas três dias, injetou no mercado US$ 325 bilhões e
prometia continuar oferecendo mais dinheiro a taxas reais negativas.
Também prometeu medidas para aumentar a liquidez e desestimular a
poupança.
Reservas. Além disso, o Japão tem reservas de US$ 1 trilhão, das quais
US$ 886 bilhões são em títulos do Tesouro americano. É o segundo maior
detentor, depois da China. Pode usá-las para a reconstrução. No ano
passado, o governo havia comprado nada menos que US$ 130 bilhões e
continuava adquirindo mais em janeiro e fevereiro.
Poucos economistas, porém, acreditavam que o país iria usar esses
recursos, pois poderia provocar desvalorização do dólar e reduzir suas
exportações. Mesmo assim, havia ontem o receio de que o governo
decidisse vender parte desses papéis ou tivesse de levantar grandes
empréstimos no mercado financeiro internacional.
Nesse sentido, a declaração do sectário do Tesouro americano, Timothy
Geithner, no Congresso foi decisiva. O governo japonês pode contar com
todo o apoio dos Estados Unidos, disse ele, mas "o Japão é capaz de
enfrentar o custo da recuperação sem ter que recorrer à venda de
títulos americanos". É um país rico. E o Fed confirmou que vai manter
o seu programa de compras de mais de US$ 600 bilhões desses papeis,
ainda por algum tempo, apesar da ligeira recuperação. Ou melhor,
exatamente por causa disso. A emissão direta ou indireta de dólares
está reanimando a economia.
Parecia que ontem o mercado já havia absorvido parte dessa questão e
se concentrava mais nos desdobramentos da crise nuclear.
Nacionalizaram a dívida. Outro fato importante e único: 95% da dívida
do governo está na mão dos japoneses, que aplicam sua enorme poupança
comprando títulos oficiais. Se precisar, o governo pode lançar mais
títulos que eles comprarão usando suas poupanças. O que se teme,
agora, são os desdobramentos nucleares. Mais humanos do que
econômicos.