O impensável ainda não aconteceu, mas desde ontem não ficou tão
absurdo admiti-lo. Foi quando a Standard & Poor"s, uma das três mais
importantes agências globais de análise de risco, avisou que colocou
"em perspectiva negativa" os títulos de dívida do Tesouro dos Estados
Unidos.
Isso não significa ainda rebaixamento. Significa apenas que,
comparáveis aos títulos de outros países com dívida AAA (de
primeiríssima classe), como os da Alemanha e da Suíça, os títulos
americanos já não merecem o mesmo grau de confiança. Nessas condições,
provavelmente deixarão de ser a referência (benchmark) do mercado
mundial.
A questão central são os problemas fiscais dos Estados Unidos, uma
economia cujo rombo orçamentário em 12 meses avança para US$ 1,4
trilhão. A dívida do Tesouro americano ultrapassa os US$ 14 trilhões
(84% do PIB) e as projeções para 2016 são de que atinja US$ 21
trilhões. Em meio de uma batalha política altamente arriscada, o
presidente Barack Obama conseguiu que o Congresso afinal cortasse US$
4 trilhões desse total em 12 anos.
É a primeira vez, provavelmente em mais de 100 anos, que uma
instituição encarregada de examinar a qualidade das dívidas soberanas
coloca em dúvida a capacidade futura dos Estados Unidos de honrar seus
títulos nas condições estipuladas nos contratos. E isso explica em boa
parte o tombo das bolsas e a corrida ao ouro que se viu ontem.
Ontem também, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o
banco central americano), advertiu que a crise da dívida ficara grande
demais e que, por isso, pediu o fim imediato das isenções tributárias
autorizadas pelo governo Bush, como medida destinada a ajudar a sair
da crise. Greenspan não é o único nem foi o primeiro a chamar a
atenção para a gravidade da questão orçamentária dos Estados Unidos. O
atual presidente do Fed, Ben Bernanke, tem insistido em que é preciso
virada urgente na situação fiscal.
O fantasma da perda de qualidade dos Treasuries, como são chamados os
títulos do Tesouro americano, paira sobre a enorme poupança mundial,
que não tem lá muitas opções onde buscar refúgio para seu dinheiro. Se
sair dos Treasuries, terá de voltar para os Treasuries.
As reservas externas dos países ricos e emergentes, hoje avaliadas em
alguma coisa ao redor dos US$ 9,3 trilhões, estão majoritariamente
aplicadas nesses ativos. O Brasil tem hoje reservas de US$ 324
bilhões, das quais 90% estão em títulos, a grande maioria dos quais em
dívida dos Estados Unidos.
Também ficam sob foco as reservas técnicas das seguradoras e os
investimentos dos fundos de pensão de todo o planeta, majoritariamente
aplicados em títulos do Tesouro americano.
Ao contrário do que acontece com as demais economias devedoras, os
Estados Unidos podem, em tese, deixar de rolar sua dívida. Ou seja, em
vez de emitir nova dívida para pagar as que estiverem vencendo, podem
imprimir dólares para resgatá-la. O governo americano sabe que não há
outro ativo no mundo em condições de se apresentar como moeda
internacional de reserva.
CONFIRA
Novo corte orçamentário?
Boa pergunta consiste em saber se a posição da Standard & Poor"s vai
concorrer agora para apressar um ajuste fiscal nos Estados Unidos.
Impacto sobre o PIB?
De todo modo, para que seja eficaz, esse ajuste pode exigir uma nova
contração da atividade econômica nos Estados Unidos. A conferir.