Marcelo Bortoloti
Fotos Oscar Cabral e Divulgação |
MAQUIAGEM NATURAL Do barco, a mata da Ilha da Cavala parece exuberante; do helicóptero, porém, o cenário é de devastação |
Vista do mar, a Ilha da Cavala, na baía de Angra dos Reis, no litoral fluminense, parece um pedaço intocado de Mata Atlântica. Mas há um ano, sobrevoando a região de helicóptero, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) descobriram que, em seu miolo, a floresta dera lugar a uma mansão de 1 800 metros quadrados. Ela pertence ao empresário Antônio Cláudio Brandão, um dos sócios da rede Localiza, e foi construída sem licença ambiental. Multado em 1 milhão de reais, Brandão recorreu, mas a obra, praticamente concluída, está embargada. Outras duas multas, no valor total de 850.000 reais, couberam ao empresário paulista Rolf Baumgart, dono do Shopping Center Norte e da indústria química Vedacit. Ele foi autuado por construir uma casa sobre um costão rochoso, com píer e heliponto, na Ilha das Palmeiras. O Ibama determinou a paralisação da obra, mas não foi atendido. A Polícia Federal, então, prendeu os pedreiros (pois é, sobrou para os coitados) e apreendeu um minitrator e três barcos que transportavam material de construção. Esses são apenas os dois casos mais ruidosos de devastação promovida por gente graúda em Angra dos Reis, cujas ilhas chegam a ser negociadas por até 18 milhões de reais. Desde 2007, o Ibama aplicou dezessete autos de infração a proprietários de mansões da região. O Ministério Público abriu catorze processos para demolição e a prefeitura de Angra dos Reis diz ter outros setenta em andamento. Para completar, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), criado neste ano para cuidar das licenças ambientais no Rio de Janeiro, está revendo 164 processos de licenciamento.
Fotos Oscar Cabral e Raul Junior |
NA JUSTIÇA Luciano Huck e sua casa em Angra dos Reis: acusado de dragagem ilegal, para fazer uma praia artificial |
A baía de Angra dos Reis abriga em suas águas verde-esmeralda 365 ilhas, das quais 150 são habitáveis. Na década de 70, embora o lugar já atraísse famosos, como o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, havia apenas uma aldeia de pescadores debruçada sobre o mar. Com a inauguração da Estrada Rio-Santos, a ocupação desse paraíso explodiu – e, agora, a investida dos órgãos de fiscalização e controle ambiental revelou um emaranhado legal. No início, como as ilhas são patrimônio da União, comprava-se o direito de posse adquirido pelos pescadores e construía-se nelas o que se quisesse. Não havia legislação específica a respeito. Embora o Código Florestal, de 1965, a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, de 1988, já falassem na preservação da área, os órgãos ambientais entendiam – ou fingiam entender – que a restrição se referia apenas à ocupação industrial. Em 1994, finalmente, o governo estadual regulamentou uma lei que transformava as ilhas em Área de Proteção Ambiental. Ela identificava locais onde não se podia mais construir e proibia a ampliação das casas já existentes em mais de 50% do tamanho da construção original.
Tudo bonito no papel. Na realidade, a oportuna falta de funcionários que deveriam fazer a lei ser cumprida, somada à corrupção endêmica dos poucos fiscais existentes, permitiu que muitos ricaços continuassem a desmatar. O cerco apertou há apenas três anos. Em 2006, 25 funcionários do Ibama foram presos pela Polícia Federal por fraude na fiscalização. Em 2007, mais dezenove pessoas foram presas, incluindo funcionários da prefeitura de Angra dos Reis e do governo estadual, envolvidos num esquema de venda de licenças. Enquanto vários proprietários ainda insistem em burlar a lei, outros tentam regularizar situações não raro herdadas dos antigos donos. Certos casos exigirão bom senso por parte das autoridades.
"Se o problema é somente a falta da licença ambiental, fica mais fácil resolver. Mas há casas já construídas que não podem ser licenciadas, seja porque foram feitas em locais que passaram a ser proibidos, seja porque têm dimensões não mais sancionadas pela lei. Estamos estudando que solução dar a essas situações", diz Júlio Avelar, superintendente do Inea na região. O apresentador da Rede Globo Luciano Huck foi acionado pelo fato de sua mansão, na Ilha das Palmeiras, ter sido erguida sobre o espelho-d'água e as rochas, o que é proibido. Huck recorreu à Justiça e ganhou, com a justificativa de que a casa original fora construída em 1971, antes da entrada em vigor da legislação atual, e ele apenas a reformara. Ele enfrenta, contudo, outro processo: foi acusado de executar uma dragagem para construção de praia artificial sem licença para tanto. "Não estou preocupado. Mas acho importante que o poder público deixe as regras mais claras", diz Huck. Seria mesmo ótimo que tudo, além da água do mar, fosse cristalino em Angra dos Reis.