Deu nos jornais: a usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, pode ficar sem licença ambiental; aumentou no Brasil a quantidade de energia gerada por usinas movidas a carvão e diesel, poluidoras; há 2.100 quilômetros de rodovias no país com obras paradas por falta de licença ambiental; o desmatamento da Mata Atlântica segue no ritmo de 34 mil hectares/ano, no período 2000-08.
Eis uma pequena amostra do que ocorre no Brasil: projetos formais, desenvolvidos à luz do dia, dentro da lei, param na legislação ambiental e nos órgãos encarregados de aplicá-la; já esses mesmos órgãos são incapazes de barrar o desmatamento ilegal e as emissões ilegais de carbono.
É claro: é mais fácil ficar nos gabinetes de Brasília analisando projetos no computador do que entrar nos confins da Amazônia. Mas entrar mesmo, colocando pessoal do Ibama e da Polícia Federal em ação permanente e não em operações isoladas para marketing.
É evidente que está errado. A começar pela legislação. Estão em vigor no Brasil nada menos que 16 mil normas ambientais. O Código Florestal é de 1965, desatualizado, claro. Mas a proposta de reforma dorme no Congresso há dez anos, tendo a companhia, no momento, de outros 130 projetos de lei tratando do mesmo assunto. E mais um: a Frente Parlamentar Agropecuária está apresentando um projeto abrangente para substituir tudo por um novo Código Ambiental.
Não é de estranhar que cresçam as disputas internas no governo Lula. O pessoal do Dnit, órgão do Ministério dos Transportes encarregado das rodovias, diz que o Ibama atrasa as licenças; o Ibama diz que os projetos do Dnit estão errados ou nem foram apresentados, mas reconhece que faltam funcionários para dar conta da quantidade de processos.
O ministro Minc, do Meio Ambiente, está em disputa aberta com o ministro Stephanes, da Agricultura.
O resultado é desalentador. Essas disputas revelam uma falta de orientação que começa no governo. O presidente Lula coloca no ministério um ambientalista e um representante do agronegócio - e que se virem. Pede as estradas do PAC ao ministro dos Transportes e dá força ao Ibama. Ou seja, reforça a confusão, inclusive quando reclama publicamente do Ibama e não faz nada para mudar o sistema.
E, se o governo não tem uma orientação, como poderia organizar o debate no Congresso e na sociedade?
Além disso, o governo, que adota uma legislação interna tão rigorosa quanto complexa, no quadro internacional se recusa a adotar metas de redução de emissão de carbono, afirmando que esse é um problema dos ricos, pela poluição que causaram. E assim fica o Brasil ao lado da China, a grande poluidora, que sustenta a mesma tese (e que é bem capaz de estar produzindo e exportando móveis com madeira ilegal tirada da Amazônia).
A desorientação geral e mais a complexidade da legislação e a burocracia infernal dos procedimentos criam disputas infindáveis e abrem espaço para negociações na versão do puro quebra-galho.
Tome-se um dos problemas da usina de Jirau. O governador de Rondônia, Ivo Cassol, se recusa a dar a licença, necessária porque a obra atinge parques estaduais. Mas ele topa conceder a licença se o Minc desistir da retirada de cinco mil famílias que ocuparam uma reserva federal no estado e a estão desmatando. (O que, aliás, demonstra que pequenos agricultores, assentados da reforma agrária e invasores desmatam e poluem, ao contrário do que dizem os ambientalistas que põem toda a culpa no "grande agronegócio".)
Mas reparem no caso de Rondônia: se a usina de fato causa prejuízo aos parques estaduais, então não há o que negociar. Igualmente, se as famílias estão de fato desmatando a reserva federal, também não há o que negociar.
Entretanto, rola a negociação porque essas legislações complexas permitem qualquer interpretação, tudo dependendo de força política.
Resumo da ópera: país com enormes carências de infraestrutura, o Brasil conseguiu bolar um jeito de paralisar estradas, portos, usinas limpas, aeroportos, ferrovias e fábricas diversas, enquanto deixa rolar o desmatamento ilegal e a emissão de carbono.
O inimigo não faria melhor. |