Só pode o ilegal Carlos Alberto Sardenberg
Política

Só pode o ilegal Carlos Alberto Sardenberg



O Globo - 28/05/2009

Deu nos jornais: a usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, pode ficar sem licença ambiental; aumentou no Brasil a quantidade de energia gerada por usinas movidas a carvão e diesel, poluidoras; há 2.100 quilômetros de rodovias no país com obras paradas por falta de licença ambiental; o desmatamento da Mata Atlântica segue no ritmo de 34 mil hectares/ano, no período 2000-08.

Eis uma pequena amostra do que ocorre no Brasil: projetos formais, desenvolvidos à luz do dia, dentro da lei, param na legislação ambiental e nos órgãos encarregados de aplicá-la; já esses mesmos órgãos são incapazes de barrar o desmatamento ilegal e as emissões ilegais de carbono.

É claro: é mais fácil ficar nos gabinetes de Brasília analisando projetos no computador do que entrar nos confins da Amazônia. Mas entrar mesmo, colocando pessoal do Ibama e da Polícia Federal em ação permanente e não em operações isoladas para marketing.

É evidente que está errado. A começar pela legislação. Estão em vigor no Brasil nada menos que 16 mil normas ambientais. O Código Florestal é de 1965, desatualizado, claro. Mas a proposta de reforma dorme no Congresso há dez anos, tendo a companhia, no momento, de outros 130 projetos de lei tratando do mesmo assunto. E mais um: a Frente Parlamentar Agropecuária está apresentando um projeto abrangente para substituir tudo por um novo Código Ambiental.

Não é de estranhar que cresçam as disputas internas no governo Lula. O pessoal do Dnit, órgão do Ministério dos Transportes encarregado das rodovias, diz que o Ibama atrasa as licenças; o Ibama diz que os projetos do Dnit estão errados ou nem foram apresentados, mas reconhece que faltam funcionários para dar conta da quantidade de processos.

O ministro Minc, do Meio Ambiente, está em disputa aberta com o ministro Stephanes, da Agricultura.

O resultado é desalentador. Essas disputas revelam uma falta de orientação que começa no governo. O presidente Lula coloca no ministério um ambientalista e um representante do agronegócio - e que se virem. Pede as estradas do PAC ao ministro dos Transportes e dá força ao Ibama. Ou seja, reforça a confusão, inclusive quando reclama publicamente do Ibama e não faz nada para mudar o sistema.

E, se o governo não tem uma orientação, como poderia organizar o debate no Congresso e na sociedade?

Além disso, o governo, que adota uma legislação interna tão rigorosa quanto complexa, no quadro internacional se recusa a adotar metas de redução de emissão de carbono, afirmando que esse é um problema dos ricos, pela poluição que causaram. E assim fica o Brasil ao lado da China, a grande poluidora, que sustenta a mesma tese (e que é bem capaz de estar produzindo e exportando móveis com madeira ilegal tirada da Amazônia).

A desorientação geral e mais a complexidade da legislação e a burocracia infernal dos procedimentos criam disputas infindáveis e abrem espaço para negociações na versão do puro quebra-galho.

Tome-se um dos problemas da usina de Jirau. O governador de Rondônia, Ivo Cassol, se recusa a dar a licença, necessária porque a obra atinge parques estaduais. Mas ele topa conceder a licença se o Minc desistir da retirada de cinco mil famílias que ocuparam uma reserva federal no estado e a estão desmatando. (O que, aliás, demonstra que pequenos agricultores, assentados da reforma agrária e invasores desmatam e poluem, ao contrário do que dizem os ambientalistas que põem toda a culpa no "grande agronegócio".)

Mas reparem no caso de Rondônia: se a usina de fato causa prejuízo aos parques estaduais, então não há o que negociar. Igualmente, se as famílias estão de fato desmatando a reserva federal, também não há o que negociar.

Entretanto, rola a negociação porque essas legislações complexas permitem qualquer interpretação, tudo dependendo de força política.

Resumo da ópera: país com enormes carências de infraestrutura, o Brasil conseguiu bolar um jeito de paralisar estradas, portos, usinas limpas, aeroportos, ferrovias e fábricas diversas, enquanto deixa rolar o desmatamento ilegal e a emissão de carbono.

O inimigo não faria melhor.




loading...

- Usina Denunciada Por Infrações Sociais E Ambientais Quer Vender Créditos De Carbono
Consórcio da hidrelétrica solicitou registro junto à ONU para entrar no lucrativo mercado de carbono; entidades contestam. No início deste ano, cenas de casas ribeirinhas arrastadas pela força das águas do rio Madeira, em Rondônia, acompanharam...

- Ossos Dos Ofícios MÍriam LeitÃo
O GLOBO - 17/04/10 Em 7 de janeiro, a Casa Civil fez uma reunião sobre a concessão da licença para Belo Monte e estabeleceu um prazo para que ela saísse. O Ibama deu a licença em 1ode fevereiro. Os técnicos registraram por ofício que o prazo não...

- Miriam Leitão Maquiagem Verde
O GLOBO Hoje, quando faltam 39 dias para a reunião de Copenhague, o presidente Lula vai se reunir com os ministros para discutir que meta o Brasil adotará para conter os gases de efeito estufa. Ontem, o Ministério do Meio Ambiente divulgou a estimativa...

- De Recuo Em Recuo
O Estado de S. Paulo EDITORIAL, Há dias aqui comentávamos que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, levara um susto - não foi o primeiro - ao constatar que a área desmatada da Amazônia Legal voltara a crescer no ano...

- Modelo Perverso
Especialista em questões agrárias, o ex-presidente do Incra Xico Graziano afirmou, em entrevista à rádio CBN, que o ministro Carlos Minc levantou a sujeira sob o tapete ao dizer que os assentamentos são a maior causa do desmatamento na Amazônia....



Política








.