Em visita a Cuba, em fevereiro, presidente brasileiro não mencionou a morte de um dissidente em greve de fome
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Quando o dissidente cubano Orlando Zapata morreu em consequência de uma greve de fome, em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava em Cuba.
Não disse uma palavra sobre a situação dos direitos humanos na ilha. Ao contrário: condenou a vítima, por achar inapropriada uma greve de fome. Cinco meses depois, o presidente acaba de terminar mais uma visita a mais uma ditadura (Guiné Equatorial).
Em Cuba está o chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, que, em vez de testemunhar a morte de um dissidente em greve de fome, é o coanunciador de um movimento quase inédito: a libertação imediata de cinco presos políticos e, em três ou quatro meses, de outros 47.
É por situações assim que há um crescente coro de críticas ao silêncio brasileiro ante ditaduras. O anúncio de ontem derruba a desculpa que autoridades brasileiras esgrimem uma e outra vez, a de que, em matéria de direitos humanos, é melhor atuar silenciosamente. O fato é que o Brasil não agiu nem ruidosa nem silenciosamente.
Quem tomou a iniciativa foi, em primeiro lugar, a Igreja Católica (e, por extensão, o Vaticano) e, em seguida, a Espanha.
À margem da omissão brasileira, o anúncio das 52 libertações é um claro indício de que o regime cubano vive, talvez, seu momento de maior fragilidade.
É uma das primeiras vezes que aceita negociar publicamente a questão dos presos políticos. É verdade que a negociação se deu, fundamentalmente, com um ator que não é explicitamente político, a igreja.
Aliás, o cardeal Jaime Ortega fez, mais ou menos, o que o governo brasileiro diz que faz, mas não faz.
Ou seja, vem falando desde abril mais como amigo de Cuba do que como militante do outro lado. O que não o impediu de considerar "deplorável" a morte de Zapata, ao contrário de Lula.
Segundo sinal de fragilidade: Cuba aceitou a participação de Moratinos no episódio, em troca de uma eventual modificação da chamada "Posição Comum" da União Europeia (UE), que só aceita o diálogo com o regime se houver avanços em direitos humanos e na democratização.
Esse tipo de "ingerência", como Cuba chama a "Posição Comum", jamais foi negociável para os cubanos.
É POR SITUAÇÕES ASSIM QUE HÁ UM CORO DE CRÍTICAS AO SILÊNCIO BRASILEIRO ANTE DITADURAS