Valor Econômico - 23/05/2011 |
"Musa", no Paraguai, por sua defesa do aumento no valor pago pelo Brasil aos paraguaios pelo uso da energia de Itaipu, a senadora Gleise Hoffman (PT-PR) prepara-se para viajar ao país vizinho, a convite, mas sabe que os aplausos não vão durar muito. Ela aproveitará a viagem para cobrar do governo paraguaio medidas como o melhor tratamento aos produtores brasileiros no país, ainda ameaçados por medidas discriminatórias. Vai sugerir, também, que o país diversifique suas fontes de receita. Lá, a carga tributária é de apenas 12% do Produto Interno Bruto. Segundo um ex-embaixador brasileiro no Paraguai, é generalizada no país a ideia de Itaipu como uma grande máquina de fazer dinheiro. Em mais de um quarto de século de operação da usina, os governos de lá, que não cobram imposto de renda, nunca se ocuparam seriamente em transformar o enorme benefício da energia barata, garantida ao país, em motor de desenvolvimento. Justiça seja feita ao presidente Fernando Lugo, parte do pacote de negociação sobre Itaipu incluiu a construção de uma linha de transmissão que deve transformar o cenário de investimentos no país. Claro, os paraguaios terão de se esforçar para melhorar o ambiente de negócios, enfrentando a corrupção crônica e as deficiências do Estado. Nisso também o governo Lugo representou um avanço no país vizinho, apesar da inapetência administrativa revelada pelo ex-bispo hoje presidente. É falso dizer que o interesse em apoiá-lo, por parte do governo Lula, deveu-se apenas a afinidades partidárias. Estabilidade política no vizinho ameaçado por forças criminosas e corrupção secular é do interesse do Brasil, desde sempre. Lugo, apesar de trapalhadas políticas e administrativas, tem feito um governo responsável e é um interlocutor racional. A negociação recentemente aprovada no Congresso provocou o aumento, por três, de uma parcela paga pelo Brasil para usar a energia a que o Paraguai teria direito, pelo tratado de Itaipu. Críticos do acordo chegaram a calcular que haveria, por isso, gasto adicional de US$ 5 bilhões do Brasil em pagamentos ao vizinho até 2023, quando mudam os termos do Tratado de Itaipu. Grande exagero. Como o adicional é pago ao se comprar a energia que o Paraguai não usa, essa parcela cai quando o vizinho contrata mais energia de Itaipu. Isso, aliás, tem acontecido. Os gastos com esse adicional em 2008 tinham sido de quase US$ 120 por kilowatt-hora - e é esse o número que serve até hoje de base inclusive à previsão orçamentária de 2011, para pagamentos ao Paraguai pelo Brasil. Ao ser assinado o acordo, em 2009, porém, essa despesa já havia baixado para US$ 108, e, em 2010, caiu para US$ 104, com o aumento da demanda do Paraguai, economia em franco crescimento. A economia paraguaia continuará crescendo, ainda que pressões inflacionárias devam forçá-la a desacelerar. O Brasil terá menos energia para comprar e o pagamento adicional será bem menor. Cláudio Salles, do Acende Brasil, instituto especializado no setor elétrico brasileiro, tem sido um dos principais porta-vozes das críticas às concessões feitas aos paraguaios. Ele aponta, com razão, que os acertos com os vizinhos representam custos para a sociedade brasileira - ainda que, como dito acima, bem menores do que se pensa no Brasil. Durante muito tempo, lembra, o Brasil comprou energia mais cara de Itaipu para viabilizar a usina, enquanto reservatórios no país vertiam água de sobra. Salles levanta outra crítica pertinente, a de que o aumento dos pagamentos ao vizinho, além de ser mais um em uma série de benefícios concedidos pelo Brasil, não é garantia de que o dinheiro será bem usado, para o desenvolvimento do país. Os principais argumentos de Salles estão no "White paper nº 1", no site www.acendebrasil.com.br/site/secoes/Estudos.asp. Gleise Hoffman, que defendeu o aumento no Congresso, afirma que o governo está consciente de que é preciso levar o Paraguai a aproveitar melhor os ganhos com Itaipu, e também a melhorar o sistema tributário no país, ainda subdimensionado e vulnerável, e pretende pressionar por isso. É errado, porém, ver o Paraguai como o único beneficiário da relação bilateral. "Não é questão de caridade", diz a senadora, lembrando que, no comércio bilateral, o Brasil extraiu um superávit de US$ 1,9 bilhões do vizinho no ano passado. Uma visão exclusivamente baseada nos interesses individuais de cada país estimula o Paraguai a buscar outros parceiros, mais dispostos a concessões financeiras, como a China, argumenta a senadora. É intrincada a discussão sobre a dívida de Itaipu, mais do que permite o espaço desta coluna. Salles diz que o Brasil arcou com as garantias do financiamento e viabilizou a usina que renderá um patrimônio bilionário ao Paraguai quando terminar o pagamento da dívida, em 2023. Paraguaios acusam o Brasil de ter renegociado a dívida com credores privados originais, tornando-se o único credor de Itaipu e cobrando juros draconianos sem repassar à usina vantagens obtidas na renegociação. O fato é que Itaipu não tem subsídios embutidos em sua dívida, paga 7,5% em juros e é um ativo rentável ao Tesouro e à Eletrobras, além de ser a fonte mais barata de energia na matriz brasileira. Cálculos feitos pela Light a pedido do Valor indicam que o aumento recém-concedido ao Paraguai representaria algo perto de 0,6% de reajuste, se fosse repassado ao consumidor da companhia (e caso o adicional ainda estivesse em US$ 120 por megawatt-hora, 15% a mais do que é hoje). "Não faria nem cócegas" na conta de luz, disse um executivo da empresa. Mas quem deve pagar a conta, pendurada no Tesouro, é o contribuinte brasileiro. O que nos obriga a continuar esse assunto na próxima coluna. Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras |