A conclusão das negociações entre Brasil e Paraguai sobre as demandas de modificações do Tratado de Itaipu foi registrada em uma declaração conjunta firmada pelos presidentes Lula e Fernando Lugo. O "acordo histórico" é mais um exemplo da diplomacia da generosidade que hoje prevalece na região graças à ação ideológica e partidária da política externa. As principais decisões de caráter político adotadas, aparentemente com resistência dos técnicos do Ministério de Minas e Energia e da direção brasileira de Itaipu, foram: • Submeter aos respectivos Congressos o reajuste, em 200%, da remuneração ao Paraguai por cessão da energia de Itaipu, elevando o bônus pago pelo Brasil dos atuais US$ 120 milhões para US$ 360 milhões ao ano; • Submeter ao Congresso a permissão para que o Paraguai venda parte da energia de Itaipu no mercado livre brasileiro. Um grupo vai estudar como ocorreria a venda no mercado livre e submeterá as conclusões aos presidentes, em três meses.
• Os presidentes decidiram "trabalhar juntos" pela integração energética regional, abrindo a possibilidade de o Paraguai vender energia de Itaipu a terceiros países após 2023; • Um pacote de bondades com financiamentos de US$ 1,535 bilhão, alguns a fundo perdido, para a realização de obras de infraestrutura e de um mirante no valor de US$ 20 milhões, a ser construído no lado paraguaio do lago. O Congresso Nacional, portanto, será chamado a opinar sobre: • Compatibilidade dessas decisões com as cláusulas do tratado de Itaipu.
A atualização da compensação pela cessão da energia e a eliminação do índice da inflação americana que reajusta o empréstimo implicarão modificação do anexo C, parte integrante do Tratado, segundo dispõe o Artigo VI. A venda direta ao mercado livre brasileiro da energia cedida pelo Paraguai deve ser analisada à luz dos artigos XIII e XIV. A possibilidade de venda da energia pertencente ao Paraguai para terceiros mercados depois de 2023 não está prevista no artigo XXV do Tratado. Cabe esclarecer que o Tratado de 1973 tem duração indefinida. O ano de 2023 representa apenas o fim do pagamento da dívida externa contraída para a construção da hidrelétrica. • O eventual aumento do custo da energia para o consumidor brasileiro.
Trata-se de questão importante tendo em mente o que ocorreu quando da concessão feita à Bolívia para o aumento do preço do gás, depois da nacionalização das refinarias da Petrobras em 2006, e quando da modificação do bônus para o Paraguai em 2005. Nos dois casos, a opinião pública foi reiteradamente informada de que o aumento não seria repassado para o consumidor. Quem vai pagar agora os quase US$ 300 milhões que serão transferidos a mais ao Paraguai? • A forma como essas mudanças serão incorporadas ao sistema jurídico nacional.
Ao submeter ao Congresso Nacional as modificações acordadas com o Paraguai, o governo reconhece que o Tratado está sendo alterado, apesar de dizer que as "decisões não mexem no Tratado de Itaipu porque há limitações concretas" que deveriam ser respeitadas. A forma de tratar essas questões, portanto, tem de ser o encaminhamento ao Legislativo das Notas Reversais trocadas com o Paraguai e não de projeto de lei ou Medida Provisória.
É importante política e economicamente que o Brasil ajude o Paraguai a crescer e a desenvolver-se, não por sentimento de culpa ou por afinidade ideológica. A generosidade, porém, tem como limite o interesse nacional. Está em jogo não só a segurança energética do Brasil (mais de 20% da energia consumida no Centro-Sul são gerados por Itaipu), como também a segurança jurídica dos contratos e tratados firmados pelo Brasil. Como nota positiva, o Paraguai, depois desses entendimentos, efetuou o depósito dos instrumentos de ratificação dos quatro Acordos de Residência e Regularização Migratória do Mercosul.
Espera-se que, assim, seja solucionado o problema dos brasiguaios que vivem em território guarani. |