Aprendendo as lições do Iraque JOSEPH E. STIGLITZ
Política

Aprendendo as lições do Iraque JOSEPH E. STIGLITZ


A guerra do Iraque foi substituída pela crise econômica como a mais importante questão da campanha presidencial americana, em parte porque os americanos passaram a acreditar que a maré mudou no Iraque: o reforço das tropas (surge, em inglês) supostamente domesticou os insurgentes, reduzindo a violência.
É precisamente esse tipo de raciocínio “macho” que levou os EUA à guerra no Iraque. A guerra deveria demonstrar a força estratégica do poder militar.
Ao contrário, mostrou suas limitações. Sobretudo, a guerra minou a real fonte do poder americano — sua autoridade moral.
Acontecimentos recentes reforçaram os riscos embutidos na ação do governo Bush. Ficou claro que a data da retirada das tropas americanas do Iraque não seria uma escolha da administração — a não ser que ela quisesse violar a lei internacional outra vez. O Iraque está exigindo que as forças dos EUA saiam em 12 meses, com todos os soldados fora do país em 2011.
Certamente, a redução da violência é bemvinda e o reforço das tropas pode ter ajudado.
Ainda assim, o nível de violência, se ocorresse em qualquer outro lugar do mundo, estaria fazendo manchetes.
O papel do aumento das tropas na redução da violência não está claro. Outros fatores provavelmente foram mais importantes, incluindo a cooptação pelos EUA de insurgentes sunitas para lutar contra a al-Qaeda. Esta continua sendo uma estratégia arriscada. Os EUA deveriam trabalhar para criar um forte governo unificado, em vez de fortalecer milícias sectárias. O governo iraquiano acordou para os perigos, e começou a prender alguns dos líderes que recebem apoio dos EUA. As perspectivas de um futuro estável parecem cada vez mais remotas.
Este é o ponto-chave: o surge deveria ter aberto espaço para um acordo político, que assentaria as fundações da estabilidade a longo prazo. Isso não aconteceu. Assim, como ocorreu com os argumentos usados para justificar a guerra, a lógica por trás do surge também continua mudando.
Enquanto isso, os custos militares e econômicos dessa desventura estão cada vez mais claros. Mesmo se os EUA tivessem conseguido estabilizar o Iraque, isso não garantiria a vitória na guerra ao terror, muito menos o sucesso em relação a objetivos estratégicos mais amplos.
As coisas não têm ido bem no Afeganistão, para dizer o mínimo, e o Paquistão parece ainda mais instável.
Além disso, a maioria dos analistas concorda que pelo menos parte do raciocínio por trás da invasão russa da Geórgia, reacendendo temores de uma nova Guerra Fria, inclui a confiança de que, com as Forças Armadas dos EUA ocupadas com duas guerras fracassadas, pouco poderia o país fazer em resposta. Os cálculos da Rússia se mostraram corretos.
Mesmo os maiores e mais ricos países têm recursos limitados. A guerra do Iraque foi inteiramente financiada a crédito; e, em parte por isso, a dívida pública americana aumentou em dois terços em apenas oito anos.
Mas as coisas continuam piorando: o déficit relativo a 2009 deverá superar os US$ 500 bilhões, excluindo os custos das operações financeiras para salvar empresas e o segundo pacote de estímulo que quase todos os economistas agora consideram urgente. A guerra, e o modo como foi conduzida, reduziu o espaço de manobra dos EUA e, quase certamente, aprofundará e prolongará a crise econômica.
A crença de que o surge foi um sucesso é perigosa porque a guerra no Afeganistão vai muito mal. Os aliados europeus estão se cansando das batalhas sem fim e das baixas crescentes. A maioria dos líderes europeus não tem a prática do governo Bush na arte de enganar; eles têm maior dificuldade em esconder os números de seus cidadãos.
Os ingleses, por exemplo, estão bem a par dos problemas que repetidamente enfrentaram em sua era imperial no Afeganistão. Os EUA vão, é claro, continuar a pressionar seus aliados, mas a democracia tem um jeito de limitar a eficácia dessa pressão. A oposição popular à guerra do Iraque tornou impossível para México e Chile cederem à pressão feita pelos EUA nas Nações Unidas para que apoiassem a invasão; os cidadãos desses países estavam certos.
Nos EUA, a crença de que o surge funcionou leva agora muitos a argumentar que é preciso enviar mais tropas ao Afeganistão. É verdade que a luta no Iraque desviou a atenção dos EUA em relação ao Afeganistão. Mas as falhas no Iraque são matéria de estratégia, não de quantidade de tropas.
É tempo de os EUA, e a Europa, aprenderem as lições do Iraque — ou reaprenderem as lições válidas para virtualmente todo país que tenta ocupar outro e determinar seu futuro.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista. ©: Project Syndicate, 2008.



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