Ossadas de 4 600 anos de pai, mãe e filhos
encontradas na Alemanha reforçam a idéia
de que o núcleo familiar floresceu e se
manteve através das eras por conferir
vantagens evolutivas aos humanos
Leandro Narloch
Fotos Karol Schaver/AFP e Juraj Liptak/AFP |
Juntos na morte |
Uma tese corrente entre os antropólogos sustenta que um dos marcos da separação entre o homem e os demais primatas foi o advento da família nuclear. Formada por pai, mãe e filhos que vivem juntos, ela se opõe à chamada família estendida, na qual os animais andam em bandos e as relações entre membros consangüíneos se dão de outras formas. Entre os chimpanzés e os bonobos, nossos parentes mais próximos na árvore da evolução, como entre muitos outros mamíferos sociais, a guarda da prole fica exclusivamente a cargo da fêmea. Uma pesquisa publicada há duas semanas por um grupo de arqueólogos alemães, ligados à Universidade de Mainz, confirma a antiguidade da família nuclear entre humanos. O estudo foi feito com base num conjunto de quatro túmulos coletivos que datam de 4.600 anos atrás, encontrados próximo ao Rio Saale, no interior da Alemanha. Os túmulos abrigavam treze ossadas, cujas fraturas sugeriam que os indivíduos haviam sido vítimas de um massacre. Através de análises de DNA, provou-se que, num dos túmulos, pai, mãe e filhos – dois meninos com cerca de 5 e 9 anos – haviam sido enterrados juntos. Como mostra uma reconstituição artística feita a partir das ossadas, cada uma das crianças foi sepultada, respectivamente, junto aos braços do pai e da mãe. O achado constitui a mais antiga evidência arqueológica de família nuclear já encontrada e identificada por meio da genética.
Até meados do século XX, prevalecia entre os antropólogos a idéia de que a família nuclear era uma instituição apenas cultural. Ela está presente em mitos consagrados como Adão e Eva, a primeira das famílias, segundo a Bíblia. Hoje se acredita que a família nuclear tenha se estabelecido por trazer vantagens evolutivas. "É provável que a família nuclear tenha sido essencial para diferenciar a espécie humana, garantir sua sobrevivência e sua disseminação pelo planeta", disse a VEJA o biólogo holandês Frans de Waal, um dos maiores primatologistas da atualidade. Várias hipóteses apontam nesse sentido. Primeiro, as mulheres não têm uma época de cio e um período fértil visível, como as fêmeas de outros primatas. Assim, elas estão sempre prontas para o sexo, mesmo na gravidez. Nas gerações imemoriais, os machos que ficavam mais tempo perto das fêmeas tinham mais chance de ter relações no período fértil. Geravam mais descendentes que os aventureiros, que só apareciam de vez em quando. A relação estável também ganhou espaço porque, entre humanos, criar um filho não é fácil. O bebê exige cuidados especiais por mais tempo que outros primatas. Em ambientes hostis, como a selva ou a savana, proteger a criança era difícil. Sob a ótica do pai, estar por perto para arranjar comida, manter as onças afastadas e garantir a sobrevivência da prole representava uma superioridade evolutiva.
Album/AKG/Latinstock | Unidos ao nascer
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Estima-se que a consolidação da família nuclear tenha deixado marcas até mesmo na anatomia e na fisiologia humanas. Entre os gorilas, o macho mata os rivais e seus filhos para ficar com várias fêmeas. A seleção natural favoreceu apenas os gorilas de maior porte físico, que têm, em média, tamanho 40% superior ao das fêmeas. Entre os humanos, a diferença entre machos e fêmeas é de apenas 15%. Como mostra a imagem da família abraçada no túmulo encontrado na Alemanha, o instinto familiar é ancestral no Homo sapiens.