Os hospitais de alta complexidade são o maior gargalo da rede pública de saúde. Em vez de diminuí-lo, para melhorar o acesso à assistência, o governo paulista vai aumentá-lo, tirando-lhes até 25% da capacidade para entregar de bandeja aos planos de saúde e particulares.
Em português claro: o governo paulista escolheu sustentar um modelo de gestão que está fazendo água –tem um rombo de R$ 147 milhões — à custa de uma perversão.
Os dois vão lucrar. O governo tucano manterá a forma de gestão pelas OSs, um sistema financeiramente falido. E os planos de saúde vão receber 25% dos leitos públicos sem investir um tostão nos hospitais públicos.
É mel na sopa para os planos e seguros de saúde. Em São Paulo, o setor suplementar vive um “overbooking hospitalar”: como os planos de saúde venderam mais do que a capacidade da rede conveniada – só em 2010, houve crescimento de 10% –, os pronto-socorros estão lotados e há fila para internação de clientes de planos, pois faltam vagas.
Daí por que os planos só têm a ganhar com a lei paulista. Além de desonerar os seus custos, ao usar a capacidade instalada dos hospitais públicos, eles “turbinam” sua rede credenciada de alta complexidade, hoje medíocre e insuficiente.
“Os planos lucram agora e certamente serão generosos em ano eleitoral”, conjectura Mario Scheffer, especialista em saúde pública e presidente do Grupo Pela Vidda-SP, com base em estudo feito por ele e a médica sanitarista e doutora em saúde pública Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Em 2010, sem contar possível caixa 2, os planos de saúde deram R$ 12 milhões declarados para campanhas eleitorais, inclusive do governador Geraldo Alckmin.”
Desde já, Scheffer prevê:
1. Ao ostentar em suas redes credenciadas os hospitais do SUS, os planos de saúde exigirão como contrapartida o atendimento diferenciado de seus clientes.
2. Os usuários de planos, já com o diagnóstico em mãos, serão atendidos rapidamente, enquanto os usuários do SUS, até serem encaminhados pela rede básica, aguardarão meses para o agendamento. “É assim que funciona a dupla porta do Incor e do complexo HC-FMUSP, modelo que agora será estendido ao Icesp e ao Hospital dos Transplantes”, ressalta Scheffer.
“Os que tentam recobrir a discussão com verniz caritativo mais parecem corretores de imóveis negociando nacos de serviços públicos, na lógica de que os pacientes se dividiriam entre SUS-não-pagantes e planos-pagantes, os salvadores da pátria”, detona a professora Lígia Bahia. “Mas as contas não fecham, até porque os valores da remuneração dos planos são muitas vezes mais baixos que os praticados pelas instituições oficiais.”
Como boa parte dos hospitais geridos por contratos de gestão via OSs está quebrada, precisando “para ontem” de dinheiro novo, as organizações sociais de saúde não contempladas nesse primeiro momento vão pressionar a Secretaria Estadual para também vender até 25% dos seus serviços.
Resultado: para reduzir o rombo nas OSs se ampliará a exclusão dos mais pobres, indo contra a Constituição Federal, pois fere o princípio da isonomia, e ainda destruirá o próprio SUS.
Por isso, ministro Alexandre Padilha, pergunto ao senhor o que as mais de 40 entidades que subscreveram a representação ao Ministério Público gostariam de saber:
1) Até quando o Ministério da Saúde vai continuar dando dinheiro para São Paulo entregar aos planos privados de saúde?
2) Não seria o caso, ministro, de já iniciar o processo de desabilitação de São Paulo da gestão plena do SUS?
Financiar a saúde privada em detrimento do SUS não tem cabimento, é demais.
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