O Globo - 03/02/2012 |
Nas relações internacionais, a influência de um grupo de países não depende apenas da vontade dos seus membros em constituírem-se como coletividade, mas também do reconhecimento alheio: a partir do momento em que o grupo se mostra mais do que a mera soma das suas partes, ele ganha peso e legitimidade. Em 2009, Brasil, Rússia, Índia e China — países extremamente heterogêneos que haviam sido reunidos sob a sigla Bric quase que por um capricho de um economista da Goldman Sachs — criaram um fórum internacional para articular certas posições em comum. Passados três anos e o ingresso da África do Sul, podemos dizer que os Brics são um grupo, ou ainda trata-se de uma coleção de países demasiadamente díspares para serem levados a sério em conjunto? Desde a primeira Cúpula, realizada em 2009, as iniciativas do agrupamento vêm provocando uma variedade de reações, do entusiasmo ao alarme, passando pelo desprezo e pelo ceticismo. Nos debates, percebe-se uma certa polarização acerca dos Brics. Se, por um lado, os pessimistas argumentam que as disparidades geográficas, políticas e culturais entre os países impedem a formação de qualquer grande consenso, os românticos afirmam que os Brics irão revolucionar a governança global. Os Brics aparecem ora como salva-pátria, ora como motivo de chacota. Por mais sedutoras que pareçam, ambas visões impedem uma análise mais apurada. Os pessimistas esquecem que a História está repleta de alianças duradouras entre países que pouco compartilham além de interesses estratégicos (Estados Unidos e Arábia Saudita, por exemplo). Sem dúvida, afinidades históricas ajudam a cimentar alianças, mas não constituem uma condição sine qua non. Apesar das diferenças entre os Brics, os cinco países compartilham uma certa desconfiança do sistema atual de governança internacional, ainda marcado pela hegemonia dos países avançados. Para os românticos, os Brics ofereceriam um novo modelo de governança, menos assimétrico. Nas versões mais otimistas, qualquer assistência financeira prestada à zona do euro representaria uma mudança sísmica no sistema internacional. A vanguarda da torcida deleita-se com o ineditismo da visita da diretora do FMI, Christine Lagarde, que veio ao Brasil com pires na mão, e não — como outrora — oferecendo empréstimos com condições draconianas. E baseiam seus argumentos em três pressupostos tão ambiciosos quanto duvidosos: 1) que o poder dos países avançados vem sofrendo não apenas uma erosão temporária, mas um declínio permanente; 2) que a ascensão dos Brics é inevitável; e 3) que os Brics já oferecem um projeto alternativo coerente e viável para a governança internacional. Ao apostarem cegamente na capacidade dos Brics de superar suas desavenças, os românticos pecam pela ingenuidade. O potencial de coordenação entre os Brics ainda está sendo testado — não apenas pelos membros, mas também pela própria crise. Estas visões polarizadas, que exageram tanto os obstáculos como os sucessos dos Brics, escondem uma realidade bem mais complexa. Nem sempre os países conseguem alcançar um consenso: ano passado, os Brics deixaram transparecer vários pontos de discórdia e falhas de comunicação, inclusive na tentativa de oferecer assistência à Europa. Por outro lado, há maior coordenação entre os Brics nos temas que chegam ao Conselho de Segurança, assim como novas iniciativas de reforma e cooperação. Diplomatas contam que, durante as reuniões da ONU e do G20 representantes dos Brics dialogam pelos corredores — uma diplomacia informal que ajuda a consolidar as relações. No fim das contas, o grupo representa uma tentativa ainda embrionária de forjar novas parcerias. Quanto ao reconhecimento, muitos países ainda preferem lidar com os Brics individualmente, mas o agrupamento vem ganhando espaço. Ao assumir a presidência da União Europeia, a Dinamarca anunciou que as relações com os Brics serão uma das prioridades da nova gestão. Aos poucos, os Brics passam de mero agrupamento a verdadeiro grupo. |