Nunca curti muito essa história de Brics. Como marketing, reconheço, é fantástico, mas, vamos falar a verdade, há pouco em comum entre os países que fazem parte do grupo, fora seu tamanho (já a África do Sul, que lá entrou só para formar o plural, nem isso tem). As discrepâncias são enormes: a Rússia apresenta PIB per capita (já ajustado a diferença de custo de vida) na casa de US$ 20.000, seguida pelo Brasil, com US$ 11.000, mesmo nível da África do Sul, enquanto China e Índia, bem mais pobres, têm PIB per capita na faixa de US$ 8.000 e US$ 3.000, respectivamente. Já o perfil demográfico não poderia ser mais distinto: metade da população de Índia e África do Sul tem menos de 25 anos, comparados a 38 anos no caso da Rússia e a 34 anos na China (no Brasil, no meio do caminho, metade da população tem menos de 29 anos). Temos, portanto, países jovens, países envelhecidos e o Brasil no meio da sua transição demográfica. Do ponto de vista político, o grupo varia de democracias vibrantes a países autoritários, quando não abertamente ditatoriais. Por fim, ainda sem esgotar o assunto, no que respeita ao comércio exterior, falamos de países cujas exportações se baseiam em commodities (África do Sul, Brasil e Rússia) assim como de outros cuja maior ênfase está em manufaturas e, mesmo nesse caso, o espectro vai de produtos tecnologicamente simples, como têxteis, a sofisticados, como eletrônicos ou máquinas. Em suma, o que une esse grupo não são suas afinidades econômicas (muito menos as culturais), e sim um desejo de afirmar seu posicionamento na esfera global. A China, em particular, guarda ambições hegemônicas, enquanto a Rússia, poder decadente, aferra-se a seu antigo status de principal adversária dos EUA. Não por acaso, até recentemente as reuniões do grupo geravam mais calor que luz, o que, cá entre nós, não era de todo mau: a imprensa dava destaque, mas nada de particularmente danoso costumava ocorrer. Não se pode dizer o mesmo da reunião mais recente. Na semana passada, em Fortaleza, os dirigentes dos Brics aprovaram a criação de um fundo em comum para socorrer países em dificuldade, assim como um novo banco de desenvolvimento, para concorrer, respectivamente, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. É, por um lado, compreensível a frustração dos países emergentes acerca das dificuldades de mudança na governança dessas instituições: a mudança de seu peso econômico não está refletida na estrutura de poder do FMI e do Banco Mundial, apesar de longas discussões a respeito. Daí, porém, à resolução de montar novas instituições, duplicando o que essas já fazem, é um longo passo. Digamos, por exemplo, que um país, cujo pedido de crédito tenha sido rejeitado pelo FMI, bata à porta do Fundo Brics; quem estará disposto a tomar um risco de crédito já recusado pelo FMI? Só se for por razões políticas, arriscando dinheiro do contribuinte para tal. Da mesma forma, alguém realmente acredita que os critérios que orientariam potenciais empréstimos do Bricsbanco serão apenas técnicos? Ou -como sugerido pela experiência dos países que compõem o grupo- prevalecerão juízos políticos (geopolíticos inclusive)? Se o problema fosse realmente a esclerose da estrutura de governança das instituições de Bretton Woods, os Brics poderiam, em conjunto com outros países emergentes, achar soluções diplomáticas para isso. Bastaria ter paciência e trabalhar de forma persistente. No caso, utilizou-se como pretexto esse problema para justificar a criação de estruturas de poder que põem em risco o meu, o seu, o nosso dinheiro, para, em última análise, um projeto de poder do qual o Brasil tem pouco a ganhar. Outro tanto dos recursos públicos passará a ser gerido fora do Orçamento, agravando o quadro da deterioração institucional do lado fiscal. Pagaremos muito por um pouco de marketing.
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