O governo tenta aliviar os efeitos da crise sobre trabalhadores e empresas, mas sem atacar os problemas estruturais da economia
Ronaldo Soares
Caio Guatelli/Folha Imagem |
TRABALHADORES PROTESTAM Demissões causadas pela crise começam a incomodar |
O pacote brasileiro contra os efeitos da crise financeira internacional ganhou novos ingredientes na semana passada. Os trabalhadores dos setores mais afetados que perderam o emprego a partir de dezembro terão direito a dois meses a mais de seguro-desemprego. As revendedoras de carros foram contempladas com uma linha de crédito de 200 milhões de reais para capital de giro. O BNDES ampliou prazos e limites de financiamento em várias modalidades de empréstimo. O conjunto se soma ao esforço posto em prática desde o fim de 2008 para oxigenar a economia – como a redução do imposto sobre produtos industrializados (IPI) dos automóveis, a liberação para os bancos de mais de 99 bilhões de reais que estavam retidos na forma de depósitos compulsórios e o repasse de 100 bilhões de reais do Tesouro ao BNDES. Tudo isso compõe, no geral, uma resposta adequada aos desafios propostos ao Brasil pela crise. Ela já atinge gravemente alguns setores, mas, pelo menos por enquanto, não parece ter força para empurrar o país rumo à recessão.
Nesse contexto, destaca-se o reforço do papel dos bancos públicos, e em particular do BNDES, como emprestador de último recurso para as empresas. O quadro abaixo mostra que o ritmo de crescimento do crédito estatal mais que dobrou em 2008, enquanto os bancos privados pisaram no freio. Em um panorama de retração geral do crédito, em especial das linhas externas, é saudável que as empresas possam recorrer ao BNDES e a outros cofres estatais. Mas é preciso ter a clareza de que se trata de um remendo de emergência cujos benefícios são acessíveis apenas a empresas de grande porte. As pequenas e médias empresas, que criam mais de 60% de todos os empregos formais no Brasil, continuam sem crédito. Está-se longe da normalização que reabrirá o caminho para a captação de recursos no mercado de ações. "As gigantes brasileiras, que se capitalizavam por oferta pública de ações ou no mercado externo, migraram para o mercado interno e passaram a ter prioridade nos bancos", diz o economista Bruno Rocha, da consultoria Tendências. Os bancos comerciais, intermediários das empresas menores em operações junto ao BNDES, continuam avessos à aprovação de projetos, em decorrência do cenário de incerteza global.
Para o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, além de aumentar a oferta de crédito em instituições oficiais, o governo deveria atacar mais vigorosamente os desarranjos estruturais. Só assim haveria incentivo real e durável para a retomada de investimentos. Uma reforma tributária que reduza a brutal carga de impostos que vigora no Brasil seria mais saudável e efetiva que o aumento circunstancial do crédito oficial. O mesmo raciocínio vale para a melhoria dos marcos regulatórios dos setores de infraestrutura, principalmente energia, saneamento, petróleo e gás. Com ações assim, o Brasil poderia retomar o crescimento em bases mais sólidas e, ao mesmo tempo, escapar da leviana noção em voga segundo a qual economia agora é assunto de estado e não mais do mercado.