"Deem a manchete com letras garrafais: a Câmara vai conceder reajuste para os servidores dos gabinetes." Foi nesse tom, entre o irônico e o debochado, que o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), anunciou aos jornalistas na última terça-feira a concessão de um aumento de 30% da verba destinada ao pagamento dos salários dos funcionários contratados sem concurso para trabalhar nos gabinetes dos parlamentares, em Brasília ou no Estado de origem do contratante. Ao acrescentar o esclarecimento de que a decisão de conceder esse aumento já havia sido comunicada por ele "lá atrás" e não se concretizara então apenas pela indisponibilidade de recursos naquele momento, Marco Maia deixou clara a intenção implícita em sua manifestação: demonstrar que, não se tratando de novidade, a imprensa só daria destaque à notícia devido à má vontade, para dizer o menos, com que trata esse tipo de assunto.
Sem "manchete com letras garrafais", mas com o destaque que a notícia efetivamente merece, o Estado a publicou em três colunas ao pé de página interna da edição do dia seguinte, quarta-feira: Em ano eleitoral, Câmara eleva em 30% verba para contratar assessor. Má vontade? Que julgue o leitor (e também o eleitor), que nos últimos dias praticamente só teve más notícias relacionadas com o uso de verbas públicas, como demonstram matérias publicadas por este jornal quase todos os dias a partir do último dia 20: Deputados do Amapá fazem 'farra' com verba de R$ 100 mil (20/06); Comissão da Câmara aprova emenda que acaba com tetos salariais no País (21/06); Parte do Judiciário já não acata tetos constitucionais (22/06); Tribunais superiores resistem a abrir acesso a despesas de seus ministros (23/06); Senadores têm plano de saúde com mais privilégios entre os Poderes (24/06). Excepcionalmente, no dia 23, uma boa notícia: Justiça acaba com auxílio-paletó na Assembleia (paulista).
Não é à toa que defensores da "democratização dos meios de comunicação" trabalham com afinco para impor restrições à ação da imprensa que não tem o rabo preso com o poder. Pois o que matérias jornalísticas como aquelas cujos títulos foram reproduzidos acima revelam é que grande parte dos homens públicos brasileiros, em particular os parlamentares, não pode ser apresentada como exemplo de austeridade no trato de recursos governamentais. Boa parte deles está lá exatamente para criar e aproveitar oportunidades de se locupletar à custa do contribuinte. Outra parte, mesmo que em princípio bem-intencionada, simplesmente não resiste às facilidades proporcionadas pelo poder. É como se "meter a mão" fizesse parte do exercício da política e fosse indissociável de sua "ética".
A última má notícia para o bolso do cidadão brasileiro, anunciada às vésperas da abertura de mais uma campanha eleitoral pelo presidente Marco Maia, é a elevação de R$ 60 mil para R$ 78 mil da verba de que cada um dos 513 deputados federais disporá, a partir de 1.º de julho, para contratar livremente e manter a seu serviço 25 funcionários em seus gabinetes, em Brasília ou nos Estados. Estes últimos, aliás, como boa parte dos que vivem em Brasília, estão desobrigados de comprovar presença no trabalho. Ou, ficando no terreno da ironia, escolhido por Marco Maia, basta a palavra do parlamentar contratante para comprovar que todos os funcionários de seu gabinete estão republicanamente empenhados na defesa dos mais legítimos interesses públicos, onde quer que atuem. E só nas horas vagas se transformam em desinteressados cabos eleitorais.
O incremento dessa verba de gabinete está sendo feito a pretexto de que há muitos anos não é reajustada. E o cumprimento dessa promessa do presidente da Câmara, conhecido por seu forte espírito corporativo, consumirá até o fim do ano R$ 150 milhões já liberados pela presidente Dilma Rousseff. Quem se der ao trabalho de multiplicar R$ 18 mil por 513 e depois por 6 pagamentos mensais, verificará que o resultado cabe com sobras nos R$ 150 milhões. De fato, não chega nem a R$ 60 milhões. A sobra de mais de R$ 90 milhões deverá ser suficiente para cobrir o pagamento de horas extras, décimo terceiro salário, férias, encargos trabalhistas, etc. Tudo, como se sabe, absolutamente necessário num ano eleitoral.