Parecem estar contados os dias de saldo comercial; é bom apertar os
cintos para o mergulho na montanha-russa
O CÂMBIO já está estrangulando o setor de maior tecnologia e valor
agregado de nossa indústria (eletrônica, farmacêutica, química,
automobilística e maquinaria). Apenas nos três primeiros meses do ano
esse setor teve o chocante deficit de US$ 13,6 bilhões, maior do que
em todo o ano de 2006 e superior em 42% ao do mesmo período do ano
passado.
Os dados do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial) servem de necrológio à indústria brasileira, mostrando que
o câmbio continua sendo tão mortal como no tempo da advertência de
Mário Henrique Simonsen. A tendência está colada à apreciação do real
e ao declínio do saldo comercial em geral, que em abril foi o menor em
oito anos, tendo caído nada menos que 65% em comparação ao de abril de
2009.
Aliás, parecem estar contados os dias de saldo comercial, uma vez que
as importações estão crescendo em ritmo quase duas vezes maior do que
as exportações (65% ante 23%).
É bom apertar os cintos para o mergulho na montanha-russa, já que o
fim do saldo comercial elimina o único fator que compensava em parte o
aumento vertiginoso de todos os demais componentes do deficit em
conta-corrente.
Essa é a cara oculta da atual euforia com o crescimento puxado somente
pelo consumo do governo e das pessoas, com baixa poupança e pouco
investimento. Cada vez se depende mais de recursos de fora para cobrir
o buraco, e a desindustrialização precoce entra no segundo estágio de
agravamento. No primeiro, as importações substituem os componentes
locais, mas o produto continua a ser montado no Brasil; no segundo,
importa-se o produto pronto e as indústrias se tornam meras
distribuidoras e prestadoras de assistência.
A situação tende a piorar com as elevações de juro que o Banco Central
terá de realizar para segurar o superaquecimento do consumo. As
previsões de que no fim do ano o dólar se aproxime de R$ 1,60 ou menos
vão sacrificar ainda mais os manufaturados. Até agora a valorização
dos primários pela demanda da China tem atenuado a deterioração do
comércio exterior. É um erro, porém, imaginar que as commodities
aguentam qualquer valorização da moeda.
Tenho idade bastante para me lembrar do tempo em que quase todos os
produtos primários brasileiros eram gravosos, isto é, seu custo de
produção superava, devido ao câmbio, o preço internacional.
Quando as cotações também caem, como sucede no momento com muitos
produtos agrícolas, a renda do campo sofre duplo golpe: preço e
câmbio.
De onde poderá vir o socorro às contas externas se o panorama negativo
se acentuar, como vem acontecendo há anos? Do petróleo? É o que já
ocorre, como mostra Raquel Landim em perceptivo comentário em "O
Estado de S. Paulo" (4/5/10).
Nele se aprende que o petróleo passou a ser o principal item das
exportações, quase 10% do total! Sem ele, as vendas externas cresceram
apenas 16%, agravando o descompasso com o aumento das importações.
Está aí um bom tema para o debate eleitoral. Em vez da discussão
pueril sobre qual governo foi melhor, por que não debater como evitar
que o Brasil vire uma grande Venezuela, onde 96% das exportações vêm
das commodities? Sem mexer no câmbio, como melhorar a competitividade?
Com esses juros? Com a infraestrutura em pedaços? Com carga tributária
o dobro da da China? Com a redução da semana de trabalho?