Muito ainda será dito e escrito sobre a tumultuada evolução da campanha presidencial de 2014, que agora chega ao fim. Mas, com o benefício da visão retrospectiva, é preciso que, nas análises do que de fato ocorreu, seja dada importância adequada à situação delicada em que se encontrava a presidente Dilma no início da campanha.
O desafio da reeleição, que há alguns anos parecia trivial, havia se tornado muito mais difícil. Ao final de quatro anos de crescimento medíocre, a economia entrara num quadro claro de estagflação, com crescimento zero e inflação acima do teto de tolerância da meta. Na esteira de intermináveis desmandos, improvisações e manipulações do registro das contas públicas, o descrédito em que caíra a condução da política econômica parecia irremediável. E o governo nem mesmo conseguia articular uma narrativa minimamente respeitável de como pretendia superar as dificuldades com que se defrontava a economia.
Não bastasse esse flanco frágil do lamentável desempenho da economia, o projeto da reeleição, visto da perspectiva do início da campanha, parecia também altamente vulnerável à evolução das investigações sobre o grande esquema de corrupção que aflorara na Petrobras. Afinal, não se tratava de mais um escândalo qualquer. Mas de irregularidades de proporções gigantescas, com alegado desvio sistemático de recursos para dezenas de parlamentares da base aliada, em uma empresa estatal com a qual a presidente teve longo e estreito envolvimento.
Tendo sido nomeada presidente do Conselho de Administração da Petrobras no início do primeiro governo Lula, Dilma Rousseff permaneceu ocupando essa posição mesmo depois de ter deixado a pasta de Minas e Energia e passado a responder pela Casa Civil. Lá ficou por mais de sete anos, até se candidatar a presidente em 2010.
De início, o Planalto ainda alimentava a fantasia de que seria possível conduzir a campanha de 2014 deixando de lado esses dois temas espinhosos: o desempenho da economia e a corrupção na Petrobras. Com Pronatec, Mais Especialidades, Banda Larga para Todos, Segurança Integrada e assemelhados, João Santana teria material farto para dar corpo à campanha eleitoral.
Mas esse temário escapista mostrou-se inviável. Desde o primeiro turno, a candidata oficial vem tendo de lidar com os dois temas embaraçosos que, a todo custo, tentou evitar. E, tendo sido arrastada para um debate em que tem plena consciência da extensão da sua vulnerabilidade, Dilma Rousseff passou a exibir seu pior lado. Partiu para a negação peremptória de aspectos incontestáveis da realidade que hoje vive o país e para inescrupulosa distorção dos fatos, empenhada em lamentável campanha de desinformação do eleitor.
Isso já havia ficado claro, no primeiro turno, quando a candidata se permitiu alardear que conceder independência ao Banco Central era "tirar do presidente da República e do Congresso Nacional, eleitos pelo povo, as decisões sobre a política econômica do país, para entregá-las aos bancos". Agora, sem ter o que dizer sobre como pretende superar a estagnação da economia e combater a inflação, passou a denunciar que a proposta, aventada pela oposição, de reduzir a meta de inflação, aos poucos, para 3% ao ano, exigiria que a taxa de desemprego fosse elevada a 15%.
Martelando empulhações de tão baixo nível, Dilma pode até ter enganado vasto contingente de eleitores menos informados, mas à custa de insanável perda de respeito entre parcelas mais esclarecidas do eleitorado.
O mesmo discurso escapista e mistificador vem marcando a maneira como a candidata tem tentado se defender das notícias negativas que emanam da Petrobras. Em vez de se autocongratular por seu inabalável compromisso com o combate à corrupção e pelos feitos da "sua" Polícia Federal, Dilma precisa explicar como um esquema de corrupção dessas dimensões pôde prosperar por tantos anos na Petrobras sem que o Conselho de Administração, por ela presidido com suposta mão de ferro, sequer tivesse tomado conhecimento de sua existência.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio