Cavaco e a Despolitização das Presidenciais
Política

Cavaco e a Despolitização das Presidenciais


As presidenciais, sobretudo as mais recentes, sempre se revelaram momentos eleitorais privilegiados para a formação de dicotomias esquerda-direita. Por estar em causa um cargo unipessoal, mas também por o sistema eleitoral assim o proporcionar com a possibilidade de uma 2ª volta. Presentemente, o facto do PSD e do CDS estarem com Cavaco Silva e de PS e do Bloco estarem com Manuel Alegre cria por si só um interessante efeito de polarização. Sem dúvida que candidatos como Fernando Nobre e o candidato do PCP ainda por conhecer estão longe de poderem ficar fora desta equação. Mas as sondagens já estão aí a demonstrar que o grande combate está traçado entre Cavaco e Alegre. E se se proporcionar uma 2ª volta, tal efeito será ainda mais evidente.

Nos próximos seis meses, muitos serão certamente os temas que irão dividir ideologicamente os diversos candidatos. E ainda bem que assim é, porque o assumir de diferenças, o preconizar caminhos diferentes, está na base do próprio fenómeno político. A distinção de posicionamentos, apesar de pouco frequente, é clarificadora para o eleitorado. Neste contexto, a recente proposta de revisão constitucional apresentada pelo PSD assumiu-se como um bom tiro de partida neste sentido. Os recuos propostos nos domínios da saúde, da educação ou dos direitos laborais demonstraram com coerência a linha liberal de Pedro Passos Coelho.

O posicionamento de Alegre não foi complicado a este respeito. As suas críticas surgiram em perfeito alinhamento com todas as forças político-sociais na esquerda do panorama político – partidos, sindicatos, movimentos sociais. Já o posicionamento de Cavaco revelou-se compreensivelmente complicado. Apesar do seu perfil ideológico obrigá-lo a concordar na generalidade com as propostas de Passos Coelho, Cavaco sabe que o perfil ideológico típico do eleitorado português não se tem demonstrado particularmente receptivo a um liberalismo económico puro e duro. Optou, neste sentido, por se manter um pouco ao lado da polémica, escusando-se a comentar com clareza as propostas do novo líder laranja.

Não será de admirar que outros episódios semalhantes a este surjam, com Cavaco a fugir convenientemente de um posicionamento político-ideologico. Do mesmo modo que sabe da pouca simpatia do eleitorado a liberalismos económicos puros e duros, o actual Presidente da República também sabe que o eleitorado tende a ver no Chefe de Estado uma figura para lá da dicotomia esquerda-direita. A expressão “presidente de todos os portugueses” sintetiza bem a referida tendência. Estando em causa uma reeleição, Cavaco fará tudo para despolitizar os seus posicionamentos, abusando certamente da postura presidencial. Alegre fará naturalmente o inverso, pois sabe que só assim poderá distinguir-se do seu principal adversário.

Será portanto um jogo interessante de acompanhar. Ambas as posturas não só são expectáveis, como legitimas. Nesse aspecto, estranho seria que um actor político agisse contra o seu interesse. Dificilmente o fará (a não ser que veja proveitos a médio prazo num posicionamento aparentemente desinteressado). No entanto, para lá de moralismos, não tenhamos dúvidas que um posicionamento assumidamente político-ideológico é mais esclarecedor para o eleitorado. Cavaco dificilmente optará por tal caminho. Assim sendo, resta ao menos esperar que os que nele votarão tenham plena consciência desta sua estratégia, não caindo no erro de o considerar para lá destas coisas da esquerda e da direita. Tal assumir-se-á sempre como um erro grosseiro.
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Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental
(Imagem: Sexo Forte)



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