A Trapalhada Atendível
Política

A Trapalhada Atendível


No ano em que se preparam as presidenciais e no ano em que Portugal se depara com um dos piores cenários económicos em democracia, o PSD entendeu por bem apresentar uma proposta de revisão constitucional. Se calhar tal acto até pode não ser considerado estranho tendo em conta o velho desconforto que o partido sempre manifestou com o texto constitucional. Se a isto adicionarmos a vontade de afirmação de um novo líder que se apresentou como a lufada de ar fresco liberal que o país tanto precisa, compreendemos então melhor o porquê desta aventura

O problema é que a aventura não tem corrido bem. Por um lado, existe um problema relativamente estrutural: as ideias de liberais de não intervenção do Estado na economia são relativamente estranhas ao eleitorado português. Ou seja, grande parte do discurso do novo líder do PSD corre o risco de não ser bem entendido pela opinião pública. Em Portugal, o centro-direita nunca se afastou muito de concepções social-democratas ou democratas cristãs de intervenção do Estado na economia. Aliás, goste-se ou não, o alargamento do sistema público de saúde ou de educação foi também feito por governos de centro-direita, nomeadamente pelos governos do actual presidente da República. Não é portanto de estranhar que as concepções liberais de Passos sejam pouco entendidas até pelo eleitorado típico do PSD e mesmo por alguns militantes do seu partido.

Por outro lado, como se tal não bastasse, a forma como a liderança laranja tem gerido o dossier tem deixado muito a desejar. Veja-se o caso do “despedimento com razão atendível” que, depois de fortes críticas, passou a contar no projecto de revisão constitucional como “despedimento com razão legalmente atendível”. A introdução do “legalmente” criou uma redundância que apenas veio demonstrar o pouco à vontade que o PSD tem com a matéria em causa (como se as razões atendíveis previstas na anterior formulação incluissem ilegalidades). Mas fez mais do que isso. Eliminando-se um conceito consagrado como é o de “justa causa”, o projecto do PSD veio conceder ao legislador um cheque em branco na definição em lei ordinária sobre o que é que se entende por “razão atendível”. As cerradas críticas ao projecto não se fizeram esperar.

O projecto de revisão constitucional laranja veio conceder a Sócrates a possibilidade de se afirmar de repente como o grande defensor do Estado Social. Assim sendo, concedeu um importante balão de oxigénio para um Governo socialista que muitos consideravam num processo de queda irreversível. Mas os efeitos de tal projecto não se ficam por aqui. Basta ver o desconforto que tem gerado em Cavaco Silva, que já o elegeu há muito como tema tabu. Não só por algumas das concepções liberais do mesmo distanciarem-se do seu perfil politico-ideológico, mas sobretudo pelo incómodo que qualquer posicionamento ideológico claro implica para alguém que está apostado em mostrar-se acima da política.

O novo líder do PSD está em maus lenções e todo o país já o percebeu. Mas para lá deste cenário pantanoso em que se meteu, e para lá da estratégia de fuga para a frente que tem seguido, importa também não perder de vista o posicionamento do PS a este respeito. Manter-se-á de pedra e cal ou irá evoluir? Apostaria à partida na primeira hipótesedado que no momento presente convém-lhe afirmar um forte distanciamento ideológico com o PSD. O problema é que basta olharmos um pouco para trás para percebermos com que partidos se fizeram as sucessivas revisões constitucionais até ao presente. È toda uma tradição que está ser posta à prova...
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Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
(Imagem: Tisserand)



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