Terça-feira, afinal, o Banco do Povo da China (banco central) anunciou o aumento de 0,5% do recolhimento compulsório dos bancos sob sua tutela. É uma providência que põe em marcha uma freada na atividade econômica chinesa e adverte que o resto do mundo não pode esperar demais da alavancagem produzida pelo consumo chinês.
Apenas para quem não está familiarizado com as manhas da política monetária, recolhimento compulsório é o mesmo que formação de reservas bancárias. É o volume dos depósitos (passivo) que os bancos não podem usar para reemprestar (ativo) a seus clientes. Tem de ficar depositado no banco central para impedir um aumento exagerado de meios de pagamento (dinheiro) que desembocam na inflação.
Fácil entender por quê. Se fosse logo reemprestado aos clientes, todo depósito feito num banco voltaria quase instantaneamente a se transformar em depósito no mesmo banco ou em outro, para novamente se transformar em crédito, em depósito, em crédito... numa multiplicação de dinheiro de consequências desastrosas. A decisão anunciada pelo banco central chinês aumenta a trava da multiplicação do dinheiro e reduz a velocidade do crescimento do crédito.
No final de dezembro, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, já tinha advertido que os bancos chineses estavam agressivos demais na concessão de créditos, a ponto de desbalancear a economia chinesa e de provocar focos inadmissíveis de inflação.
Os dados mais recentes que chegaram ao Ocidente foram de que o volume de crédito na China subiu mais de 100% em apenas um ano. Estava em 4,3 trilhões de yuans ao final de 2008 e saltou para 9 trilhões ao final de 2009.
Um dos efeitos dessa exuberância é a escalada dos preços dos imóveis. Não dá ainda para dizer que já se trata de uma bolha na iminência de estourar, porque é a partir de providências como as que acabam de ser tomadas que o problema pode ser contido.
Em todo o caso, ficam evidenciados os limites da mudança estratégica na condução da política econômica da China.
Até recentemente, seu sistema produtivo estava quase todo voltado para as exportações, dentro de um arranjo bem conhecido, em que a China entra com mercadorias baratas e os Estados Unidos, com o mercado consumidor. Esse jogo produz enormes superávits (sobra de dólares) na economia da China, que se encarrega de comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos (reservas externas), operação que, por sua vez, financia o consumo americano e, portanto, a compra de produtos chineses.
Mesmo antes da crise global, a China entendeu que esse arranjo com os Estados Unidos não era sustentável a longo prazo, porque exigia alargamento indefinido do déficit americano e, ao mesmo tempo, crescimento do superávit (e das reservas) da China.
Por isso o governo de Beijing deu a partida para uma guinada nessa política, por meio do fortalecimento do consumo interno. O risco de formação de bolhas e de disparada da inflação mostra que essa transformação não pode acontecer da noite para o dia.
Não dá, também, para contar tão cedo com a plena potência da nova economia mundial. Isso significa que qualquer recuperação consistente da economia mundial passa pela recuperação dos Estados Unidos.
Confira
Na mosca - Foi 4,5% a meta de inflação determinada pelo governo para 2009. Ontem o IBGE apontou o número final: 4,31%, obtido não só com a política de juros do Banco Central, mas, também, com a contenção do consumo pela crise global.