Mas isso mudou e, hoje, tudo o que é dito pelos líderes chineses sobre o assunto é prontamente analisado pelos perscrutadores globais (chinese watchers) porque a economia da China vai assumindo funções cada vez mais importantes como locomotiva global.
Domingo, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, entendeu que devesse passar alguns recados por meio de uma agência oficial de notícias, a Xinhua. Não é uma atitude usual e, por isso, as declarações foram recebidas com atenção ainda maior.
Wen disse três coisas. Primeira, que o desempenho da economia chinesa poderia ter sido melhor, "se as operações de crédito dos bancos fossem mais balanceadas, melhor estruturadas e não tivessem acontecido em escala tão grande".
Segunda, o governo chinês estará pronto para atacar focos de inflação se eles aparecerem. E, terceira, em hipótese alguma cederá às pressões dos países ricos do Ocidente de valorizar o yuan, a moeda chinesa.
A partir daí há chão para analisar. A decisão de levar os bancos a promover uma farta distribuição do crédito atendeu à necessidade de reforçar o consumo interno para produtos que normalmente seriam exportados e que só não foram porque a demanda global foi contida pela crise. Apesar disso, o índice de poupança da China continua a níveis elevados, de 51% do PIB, como esta Coluna analisou em 15 de dezembro.
Ao longo de 2009, as vendas de veículos da China devem alcançar 12,8 milhões de unidades, 36,5% a mais do que em 2008. É a primeira vez que os chineses compram mais veículos do que os americanos, que devem ter parado nos 10,3 milhões (19% a menos do que em 2008).
As pressões inflacionárias parecem concentradas na área imobiliária e não na produção industrial, que enfrenta bolsões de capacidade ociosa (demanda mais baixa do que a capacidade de produção). Mas se Wen entende que o crescimento do crédito foi maior do que o devido, parece claro que os preços tenderão a subir se o crédito não for contido.
O regime de câmbio na China é fixo, à proporção de 6,826 yuans por dólar. O Banco do Povo da China (PBOC, o Banco Central do país) está comprometido em comprar dólares, cada vez que o yuan tende a se valorizar, e a vendê-los, cada vez que as pressões são em sentido contrário.
Há anos o governo americano quer que os chineses promovam a valorização do yuan, cujas consequências seriam o encarecimento do produto de exportação da China e o barateamento (em yuans) de suas importações. Mas o governo chinês tem se recusado com firmeza a fazer esse jogo, sob dois argumentos: o de que o objetivo estratégico do seu governo é dar condições para o desenvolvimento econômico do país, o que exige câmbio desvalorizado; e o de que a exigência ocidental de valorização do yuan não passa de tentativa de empurrar o ajuste global para os chineses em vez de partilhá-lo com os Estados Unidos e demais países ricos.
No entanto, se a inflação da China tomar realmente corpo, como Wen parece temer, seria inevitável que parte da tarefa de valorização do yuan acontecesse espontaneamente, por meio do encarecimento do produto chinês (valorização real).
Confira
Complexo de vira-lata - O presidente Lula tem razão quando diz que "2009 foi um ano mais que bom". Foi quando a economia brasileira passou pela prova de fogo: a maior crise global desde os anos 30.
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Faltou dizer duas coisas: Primeira, essa blindagem começou lá atrás, no governo Fernando Henrique, com a estabilidade da moeda e com o saneamento das finanças públicas.
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Segunda, que isso é como forma física. O que leva anos de regime e malhação para ser conquistado pode ser destruído em uma temporada de extravagâncias. A gastança do governo federal leva esse risco.