Pressionado pelo enorme crescimento do rombo orçamentário, o governo da Venezuela, presidido pelo coronel Hugo Chávez, decidiu sexta-feira pela desvalorização da moeda, na média de 64%.
O simples emprego do termo "média" mostra uma anomalia. A opção foi pelo câmbio duplo. O câmbio do bolívar é controlado pelo governo venezuelano. Antes, a cotação oficial correspondia a 2,15 bolívares por dólar. No entanto, o câmbio negro negociava o dólar a 6,15 bolívares e tendia à alta porque o dólar era (e ainda é) uma das poucas opções contra a inflação no país. A partir de ontem, empresas e pessoas físicas terão de pagar na compra de moeda estrangeira 4,30 bolívares por dólar quando corresponderem a negócios financeiros, turismo e importações de produtos não considerados essenciais. E a 2,60, no caso de despesas de governo e bens essenciais, como alimentos e fármacos.
O principal objetivo da decisão foi aumentar, em bolívares, as receitas da PDVSA, a estatal de petróleo que, por sua vez, poderá pagar mais impostos, mais royalties e mais dividendos. Melhora, assim, a capacidade do governo de honrar a dívida pública.
A data para entrada em vigor da nova paridade cambial foi escolhida a dedo. Acontece antes da remessa de lucros por parte das empresas estrangeiras, que agora obterão menos dólares por bolívar lucrado, e a sete meses das eleições gerais, com tempo para aumentar as despesas públicas com objetivos eleitorais.
A desvalorização do bolívar provocará dois efeitos comerciais convergentes: encarecerá as importações e, nessas condições, obrigará a população a consumir menos e a trocar o importado pelo produto local. E aumentará as receitas em bolívares dos exportadores, o que também tende a aumentar a produção nacional.
O impacto inflacionário será potencialmente forte e inevitável, apesar da decisão que resguarda o câmbio mais baixo para os bens considerados prioritários. Nesse final de semana houve corrida para comprar bens importados. O presidente Chávez avisa que não há nenhuma razão para o atropelo. Ele argumenta que os atuais estoques não poderão ser reajustados uma vez que foram importados (e pagos) com um dólar mais baixo. E convocou a Guarda Nacional para prender os especuladores.
Essa retórica não tem lá muito nexo. E as ameaças são típicas de um governo voluntarista na condução de sua política econômica. Na economia de mercado, os preços não são fixados pelos custos, mas pela lei da oferta e da procura. De mais a mais, se os estoques têm de ser repostos a preços mais altos, ou o comerciante trata de vender sua mercadoria a preços reajustados ou corre o risco de perder capital de giro.
Nas primeiras análises, os comentaristas preveem um impacto inflacionário de pelo menos 5%, número com que o ministro da Economia, Alí Rodríguez, parece concordar, como registra a agência Reuters.
Uma economia tem de ser muito controlada para que o câmbio duplo funcione. O aumento da inflação tende a jogar contra o objetivo político, já que reduz o poder aquisitivo do consumidor.
As distorções ficam inevitáveis, porque os dois câmbios tendem a se misturar. Nessas condições, a corrupção deve aumentar, uma vez que o importador tentará pagar as compras no exterior pelo câmbio mais favorável e isso cria a necessidade de ganhar a boa vontade das autoridades alfandegárias.