O Estado de S. Paulo |
19/9/2008 |
Com a torneirada de ontem, os bancos centrais dos países ricos já devem ter despejado mais de US$ 1,2 trilhão, em pouco mais de seis meses, no mercado. São implantações de pontes de safena com o objetivo de contornar bloqueios cada vez mais acirrados do crédito global, que ameaçam levar a economia ao colapso. Como a promessa oficial é a de que haverá o que for preciso, mais despejos de recursos públicos virão. Ontem foram anunciados estudos do governo americano para a criação de um fundo que comprará os títulos micados dos bancos. Se isso se confirmar, o pior da crise pode ter passado. Nessa hora, com mais crédito e maná caído do céu, poderá vir mais inflação, efeito colateral cujo tratamento virá quando der. Como em todas as crises do gênero, o megabloqueio do crédito é o castigo imediato, que normalmente demora para se reverter. Não é que falte dinheiro. Ao contrário, os recursos que circulavam nos tempos de recorde histórico de liquidez continuam aí. A eles foram acrescentados novos, dos Tesouros e dos bancos centrais. Estão empoçados porque hoje ninguém confia em ninguém. Nos três últimos anos, as empresas nacionais recorreram maciçamente ao mercado de capitais para se abastecer com dinheiro barato obtido pelo lançamento de ações. A tabela mostra a evolução das captações. Esse canal está fechado e tão cedo não reabrirá. As empresas que preparavam seus IPOs (Inicial Public Offerings ou Oferta Pública Inicial) terão de recorrer aos bancos. Está quase estancado, também, o crédito externo. Há sete meses, a Vale havia fechado um pacote de empréstimos de US$ 50 bilhões para a compra da Xstrata. O negócio não saiu, mas estava apalavrado. Hoje não há lugar para operações desse porte. Há uma semana a AIG, maior seguradora do mundo, passou o pires, mas não conseguiu nem cheiro dos US$ 25 bilhões que pedia. Contribui para a escassez o jogo das empresas estrangeiras. Elas não estão em condições de financiar suas filiais. Ao contrário, um dos canais pelos quais os dólares escoam do País é o aumento das remessas de lucros. É por meio delas que as matrizes se abastecem de vitamina das filiais daqui. O Banco Central do Brasil venderá dólares das reservas com compromisso de recompra. Isso vai funcionar como empréstimo de liquidez, destinado a desbloquear o canal externo. Isso não é tudo. Os bancos brasileiros, por sua vez, têm de trabalhar com mais dinheiro em caixa para se prevenir contra eventuais surpresas. Outro fator limitador do crédito é a deterioração das garantias. Quando negociou o empréstimo para comprar a Xstrata, o preço da ação da Vale era de R$ 55. Hoje, não passa de R$ 40. Enfim, diminuiu a capacidade de endividamento das empresas. Paradoxalmente, um dos canais indiretos pelos quais as empresas podem obter crédito são as importações. O fornecedor externo precisa vender e tem razões para melhorar as condições de pagamento. A empresa daqui que, por exemplo, importar confecções para pagar em seis meses poderá torrar a mercadoria no mercado interno e, por alguns meses, usar o faturamento para o giro. O aumento das importações ampliaria o rombo nas contas externas, mas ajudaria no caixa.
Pode virar - A decisão do Banco Central de adiantar dólares das reservas foi tomada para dar liquidez às operações de câmbio. Mas seu efeito prático poderá ser a desaceleração da alta do dólar. Em sete semanas, as cotações subiram 23,6%. |