O Estado de S.Paulo - 10/02/2011 Investimento é ou não é despesa? Essa pergunta continua sendo feita quando se trata de definir o que deve ou não entrar na conta do superávit primário, ou seja, do pedaço da arrecadação destinado a pagar a dívida. Mas esse não é o aspecto que vai ser abordado hoje nesta Coluna. O ponto é que essa pergunta vem sendo feita com menos frequência quando se trata de examinar as causas do atual surto inflacionário. É esse o assunto de hoje. O Brasil tem um baixo nível de investimento. Dificilmente chega aos 20% do PIB, contado o investimento público mais o privado. E com apenas isso não dá para garantir crescimento sustentável acima de 5% ao ano. Essa enorme necessidade de investimento tem deixado para segundo plano outro efeito, que é o aumento do consumo acima da capacidade de oferta, com potencial para gerar inflação. Ainda nesta semana, o relatório do economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, faz uma observação elogiosa à atual administração que, no entanto, desconsidera esse efeito: "O governo Dilma Rousseff tem amplas condições de se firmar para a história como o "governo da oferta" em contraponto à gestão de seu antecessor e padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia ser classificado como o "governo da demanda"". O que não está sendo considerado é que pode acontecer o contrário. Todo investimento tem um prazo de maturação, que pode ser mais curto ou mais longo. Quanto mais prolongado for esse prazo, mais consumo produz sem contrapartida de oferta de produto ou serviço. Uma hidrelétrica, por exemplo, leva seis, sete anos ou até mais para produzir o primeiro quilowatt de energia. No entanto, desde o momento em que um técnico produz o primeiro esboço do que será construído, o projeto está produzindo despesa e renda. É despesa com projeto, engenharia, cimento, aço, mão de obra, turbinas, exigências ambientais, etc. Apenas lá na frente é que começa a produção. Um campo de petróleo leva de sete a oito anos contados a partir da abertura do poço pioneiro para entrar em fase de produção. Até lá, são bilhões e bilhões de dólares em despesas. Apenas a perfuração de um poço a grandes profundidades pode superar os US$ 100 milhões. Até mesmo a abertura de uma padaria leva meses de reformas, instalações e tudo o mais, até produzir a primeira fornada, e, no entanto, ao longo do tempo de investimento só produziu despesas. Um país transformado em canteiro de obras tem seu lado bom porque todo investimento de hoje é produção (e emprego) amanhã. Mas cobra seu preço em criação de renda e consumo. O ministro Guido Mantega tem afirmado que o governo Dilma vai empurrar o investimento de 19% do PIB para 24% do PIB. Se não for bem-sucedido, faltará oferta; se for bem-sucedido, virá pressão inflacionária extra. O Brasil tem um enorme programa de investimentos. É o pré-sal (só a Petrobrás prevê investimentos de US$ 224 bilhões até 2014), são as obras para a Copa do Mundo e a Olimpíada, é o trem-bala, são as demais obras de infraestrutura, é a ampliação do sistema produtivo privado e tanta coisa mais. Ou seja, não dá para desprezar o efeito colateral inevitável: quando o investimento decola também produz inflação. Por isso, a política fiscal (a maneira como o governo toca seus gastos) e a política monetária (política de juros) têm de atuar acima do normal, de maneira a compensar esse efeito sobre os preços. CONFIRA Por enquanto, é pouco O anúncio dos cortes orçamentários feito ontem pelos ministros Guido Mantega e Miriam Belchior é o primeiro passo, absolutamente necessário, para o que tem de vir. Mas por enquanto é apenas palavra de ministros - o que é pouco - e um amontoado de números à procura de autoridades que os levem a sério. Difícil acreditar A falta de credibilidade do governo é sério obstáculo de partida. No ano passado, negou até o fim o que os analistas denunciavam: o descumprimento da meta fiscal. E depois aderiu ao teatro e a esquisitices contábeis para apresentar os resultados. Mas esse obstáculo pode ser rapidamente revertido se a sociedade vir que, além de palavras, há ação. Inchaço O governo e os políticos incharam tanto o Orçamento da União que o corte anunciado de R$ 50 bilhões fica parecendo conversa de comerciante que vende com 50% de desconto depois de ter subido em 100% o preço à vista. |