Comunismos (e o 25 de Novembro)
Política

Comunismos (e o 25 de Novembro)


Em defesa da honra do militante do Partido Comunista Português, uma longa dissertação é levada a cabo no Tempo das Cerejas sobre a actuação do PCP na condução do movimento popular durante o período da revolução de Abril (25Abril1974-25Novembro1975) – Vítor Dias, como factor (actor) de sobrevivência política conclui que “antes vivos e combativos que mortos de morte matada” – visão que tem como reverso a opção pela alternativa de morte lenta pela vida em estado vegetativo.

Em defesa de Raquel Varela

Raquel Varela é uma jovem historiadora (ISCTE) que, conforme Vítor Dias estigmatiza “ainda não tinha nascido quando os factos se passaram”, e no entanto, não se sentindo culpada pelo regime que lhe legaram (que agora vemos pelo próspero estado a que chegaram os "excomungados de Abril"), pretende em final de curso defender como tese de doutoramento “o papel do Partido Comunista português no processo revolucionário”, onde acusa o PCP da derrota histórica do ultimo movimento de massas de carácter anti- capitalista na Europa do século XX. Socorre-se para tal, em primeira apresentação no colóquio Os Comunistas em Portugal, “de frases descabeladas” (no entender do relato do “renovador comunista” Jorge Nascimento Fernandes no “Trix-Nitrix”) tais como “a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que este simulacro de democracia se implantasse em Portugal”; ou da crítica interpretativa entre as acções das massas que fazem as revoluções e os directórios que lhes disputam a sua direcção, recordando o célebre episódio do cerco à Assembleia da República – quando afirmou que "naquele momento o passo que faltou para o triunfo da Revolução portuguesa foi a tomada da Assembleia e a expulsão dos deputados da burguesia, o assalto ao “palácio de Inverno”, em vez da desmobilização concertada pela associação PCP-MFA"

Não fora a sensibilidade intelectual de classe pequeno- burguesa de Melo Antunes sobre o movimento proto-fascista dos 200 soldados-comandos dirigidos por um obscuro capitão que tinha no currículo cultural o facto de ter chumbado no exame da quarta classe (Ramalho Eanes) sabe-se que a intenção era, no 25 de Novembro, de ilegalizar o PCP e culpá-lo dos males da burguesia saída incólume do regime marcelista: a agitação social pré- revolucionária, a queda abrupta em 24 por cento do PIB e, factor supremo de alarme, a auto- organização de comités de base nos quartéis (os SUV); a 7 de Fevereiro na Manifestação Anti-NATO pede-se a saída de Portugal do Tratado de dominação anglo-saxónica do Atlântico Norte.

e do estigma de maus da fita não se livraram os do PCP, de quem o parlamentarismo burguês necessita (tanto como do CDS) para se institucionalizar psicologicamente no leque clubístico das massas populares; tanto como o fascismo precisava dos antifascistas para se legalizar moralmente contra aqueles que pretendiam destruir o doce imobilismo da miséria, do desemprego, da fome e do anafabetismo que os adros da Igreja e os bodes das fragas agrestes constituíam em senso- comum. Era este o “espírito do tempo” quando chegou o golpe militar de 25 de Abril.

Cunhal chega a afirmar que “o nosso programa é o possivel dentro das fronteiras definidas pela Segunda Grande Guerra” – efectivamente, em Yalta determinaram-se as áreas de influência no plano de partilha ideológica suportado pelo Frentismo contratado entre dirigentes das burguesias nacionais e os regimes liberais do ocidente da Europa - ficou estabelecida uma clara divisão entre campos de influência e domínio: uma espécie de Tratado de Tordesilhas: o Leste para o campo soviético, a parte ocidental dominada para os Aliados. O que fazia de imediato da revolta portuguesa “Uma Revolução Impossível”.

Os 12,5% das primeiras eleições são uma completa surpresa para a embaixada americana, porque no pós-guerra o Partido Comunista em França tinha obtido 32 por cento, enquanto as correntes mais radicais que apoiam Otelo Saraiva de Carvalho (um personagem com alguma intuição, mas sem qualquer formação politica) atingiriam esses valores nas eleições presidenciais. Em contraponto, entre a qualidade da direcção politica centralizada versus o lugar da estupidez nas massas amedrontadas pelo papão do comunismo, como alternativa ao regime semi-colonial salazarista verificou-se o peso da derrota histórica da Esquerda e a demonstração da falácia da aplicação do Socialismo pela via indolor das eleições – segundo testemunhas da época, Cunhal reconhecia textualmente: “é impossivel identificar às massas o capitalismo como um obstáculo – e é uma pena que isto vá acabar tudo” – importava salvar a influência possível, através das campanhas de alfabetização do MFA com militares a dar instrução às populações ao lado dos militantes do PCP com a missão não expressamente declarada de contrapor o Ensino ao Esquerdismo espontâneo.

“Em Ponte da Barca, o patrão lisboeta pergunta ao velho caseiro: - Então, como é que isto vai por cá de comunistas?
-oh, ele havia cá 14, mas agora já só há quatro. São dois do PPD e dois do PS”.
revista Gente,Expresso 4.10.1975

Mas os dirigentes do Partido Comunista, como instituição herdeira da politica soviética oficial saída da III Internacional, (consignada no VII Congresso, “Rumo à Vitória") expressava a doutrina de conciliação entre classes (numa situação explosiva: na época 90% dos camponeses russos analfabetos não eram necessários à vanguarda económica, como agora 90% dos trabalhadores nos paises ocidentais não fazem falta ao capitalismo) – contudo o PCP,, como partido reformista e não revolucionário, estava muito longe de controlar a situação como um todo durante o PREC, embora se tivesse sempre tentado colar às cúpulas militares do Movimento dos Capitães (MFA) ele próprio profundamente dividido internamente (como se via nas Assembleias Gerais delegando sempre as decisões nas mesmas hierarquias do aparelho militar saído do regime fascista) reflectindo entre as suas várias facções as mesmas lutas de classe que se verificavam fora dos quartéis.

Estava o PCP portanto longe do espírito da chamada Comuna de Lisboa, antes pelo contrário advogando pateticamente em conjunto com a 5ª Divisão de Informação do Exército a conciliação dentro do espírito da abstracção “união entre o Povo e o MFA” duas definições identitárias tão pouco esclarecedoras quanto a inversa vontade de colocar militantes na máquina burocrática das chefias do aparelho de Estado burguês, enquanto as lutas, ocupações de casas, fábricas e herdades prosseguia à revelia das teorias conciliadoras – com tão zeloso cumprimento que, quando finalmente chegou o dia da clarificação a primeira ordem do PCP foi mandar os militantes desmobilizar, para salvaguardar a sua ilegalização.
O que não impedia na manhã de 25 de Novembro o capitão António Luz, conotado com as forças de esquerda não afectas ao partido comunista de afirmar: “na Trafaria, o quartel que eu comandava, já depois do PCP ter mandado os militantes para casa, tinha 10 mil pessoas à porta do quartel a pedirem-me G3”
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