NOVA YORK. O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, está teoricamente na posição idealizada por qualquer governante em início de mandato: tem autorização da sociedade americana, e a torcida do mundo, para gastar tanto quanto for preciso para recolocar a economia dos Estados Unidos nos trilhos novamente. Quando ele diz que seu programa de recuperação econômica estará no topo das estimativas, mas não será tão grande quanto muitos economistas sugerem, para não aumentar ainda mais o déficit público, está indicando que o pacote será de no máximo US$800 bilhões, não chegando a US$1 trilhão.
Não foi por outra razão que Obama chamou a atenção para o fato de que o déficit público chegará a US$1 trilhão este ano, quando as previsões mais pessimistas durante a campanha eleitoral calculavam a metade disso. Um déficit público de US$490 bilhões era o número com que trabalhava o futuro diretor de Orçamento do futuro governo, Peter Orzag, considerado um técnico experiente e rigoroso com as contas públicas.
Há, no entanto, a previsão de que o déficit pode ser maior ainda, atingindo US$1,3 trilhão, ou 10% do PIB depois do pacote do novo governo.
Até o momento, as previsões do setor do Congresso que analisa o orçamento são as de que o déficit público já é proporcionalmente o maior desde a Segunda Guerra Mundial, de cerca de 8,8% do PIB.
A dívida externa americana, que chegou a US$10 trilhões antes da crise financeira iniciada no meio de setembro, está a ponto de superar 100% do PIB com os sucessivos pacotes de liquidez já aprovados.
Segundo o CNN Money, o dinheiro aprovado no conjunto pelo Congresso, pelo Departamento do Tesouro e pelo Banco Central americano (Fed) soma a espantosa cifra de US$7,2 trilhões desde o começo da crise financeira.
Com o pacote da nova administração, o total de socorro pode chegar a US$8 trilhões.
Os diversos programas de ajuda atingem vários setores da economia: US$29 bilhões para o Bear Stearns, US$345 bilhões para o Citigroup, US$600 bilhões que o Banco Central americano colocou para garantir os depósitos de poupança nos bancos.
Além dos US$200 bilhões do governo para assumir os gigantes semiestatais do sistema hipotecário no início de setembro, Fannie Mãe e Freddie Mac, o Departamento do Tesouro e o Banco Central uniram esforços para colocar na AIG de seguros US$152,5 bilhões, mais US$325 bilhões no Citigroup e US$23,4 bilhões na indústria automobilística.
O Tesouro também aprovou no Congresso um plano de US$700 bilhões. Além do programa de garantias aos depósitos de poupança, houve o pacote de US$1,4 trilhão para o mercado de commercial paper; US$200 bilhões para um programa de empréstimos ao consumidor; outro de US$500 bilhões de hipotecas.
O aumento do déficit público e da dívida externa leva a que alguns analistas considerem que, a longo prazo, pode estar chegando o momento em que o dólar não será mais a única moeda de reserva do mundo, acontecendo o mesmo fenômeno que atingiu a libra inglesa.
Segundo o historiador Niall Ferguson, as grandes dívidas que a Inglaterra fez para financiar suas guerras pelo mundo, e a desaceleração do crescimento da economia nas décadas do pós-guerra, foram as razões para a mudança.
O processo da transição da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos, porém, levou décadas, e o dólar continuou disputando o espaço com a libra por quase 60 anos.
E, no momento, não há nenhuma moeda que possa se contrapor ao dólar em termos internacionais, inclusive porque a Europa está em uma situação econômica tão difícil ou pior que os Estados Unidos, o que enfraquece o euro em relação ao dólar.
Apesar de ter sido o detonador da maior crise financeira das últimas sete décadas, os Estados Unidos continuam atraindo os investidores, e não há sinais de que a procura pelo bônus do governo americano, mesmo com o juros chegando a zero, esteja se enfraquecendo, o que dá um fôlego para o governo Obama.
Mas, como as expectativas que ele está gerando desde que foi eleito são muito grandes, e ele sabe que não poderá preenchê-las integralmente, Obama está fazendo um movimento político que pode atrasar a aprovação do seu plano, mas pode dar-lhe o apoio consensual de que precisa para levar adiante os primeiros dois anos de seu governo sem uma oposição ferrenha por parte dos republicanos.
Mesmo com 59 das 100 cadeiras do Senado de posse dos democratas, o que praticamente garante a aprovação de qualquer futuro plano, Obama está decidido a obter o apoio de pelo menos 80% do Senado, o que significa dizer que quer o apoio de pelo menos 20 senadores republicanos.
Essa busca de um consenso político reflete não apenas a disposição de fazer um governo suprapartidário, ou pelo menos bi-partidário, mas o reconhecimento de que a dívida que assumirá nos próximos anos será impagável se as forças políticas não se sentirem responsáveis conjuntamente pelo plano de soerguimento da economia americana. |