Com grande regularidade ao longo dos diversos ciclos políticos em Portugal, surgem irritantes apelos ao consenso nacional. É um fenómeno rotineiro. Vindos dos mais diversos sectores, procura-se fazer crer que o problema do país é a malta não estar unida, não estar a remar toda para o mesmo lado… Se estivéssemos todos juntinhos no mesmo propósito, isto até ia lá. Tal dinâmica aplica-se perfeitamente ao que agora assistimos. Pressionado por mais uma vaga de cortes que se prepara para aplicar, o Governo chama agora o PS para um grande consenso. Faz o seu papel. O Presidente da República, com certeza esquecido do seu percurso político, juntou-se ao coro de apelos, assumindo que não há neste momento outra alternativa possível. Vendo bem, não é de estranhar vindo de alguém que nem se considera um político. E há um vasto conjunto de personalidades públicas que já se juntaram a esta vaga pelo consenso
Na verdade, a ideia de que “o problema é a malta não se unir” é tão velha quando a própria existência do ato político. E é tão antiga porque constitui precisamente a sua negação. Ao assumir que os consensos são sempre possíveis ou desejáveis, assume também que não há caminhos alternativos ou que estes não são tão valiosos. Escusado será relembrar que é esta visão sobre o consenso como valor supremo, desvalorizando assim as divergências políticas, que levada ao extremo está na base de muitos sistemas antidemocráticos. Mas mais do que uma deambulação teórica sobre a divergência como valor base da democracia política, cumpre explorar um pouco o que nos têm trazido nestes últimos tempos estes grandes consensos.
Importa relembrar, por exemplo, que a solução de trazer a troika e de promover uma dura política de austeridade foi suportada por um consenso PS-PSD-CDS. Não se entendia aliás que qualquer outra solução fosse possível que não a aplicação do duro memorando de entendimento assinado pelos três partidos. O país tinha de ser gerido do mesmo modo que se gere uma casa, isto é, cortando implacavelmente na despesa até conseguir que a mesma não ultrapassasse a receita. Os resultados estão à vista.
E foi assim que se chegou rapidamente ao segundo grande consenso: andávamos a viver acima das nossas possibilidades. De súbito, o país parece ter acordado com a certeza de que o problema era apenas as gorduras do Estado e o excessivo consumismo das famílias. A austeridade teria assim um efeito purificador nas finanças públicas, mas também nas contas domésticas, eliminando o supérfluo e retomando-se assim uma espécie de castidade no consumo. Eis o grande consenso nacional a que se chegou. E quem o contrariasse, por mais objetivos que fossem os seus argumentos, era considerado um radical, um lírico, um irresponsável.
Chegamos agora ao momento em que se tornou consensual que a austeridade afinal não é o caminho. Concorda-se até que afinal é necessário renegociar a dívida. Todos os comentadores da praça afirmam-no hoje tão convictamente como há um ano asseguravam não existir alternativa. Da esquerda à direita mais insuspeita, e depois do país estar de rastos, pede-se agora uma agenda para o crescimento e para o emprego. Pede-se um novo impulso para a economia, porque está visto que com este caminho não vamos lá. E curiosamente defendem-no os mesmos setores que há uns meses atrás defendiam precisamente o seu contrário. Ao ponto de hoje se fazer crer que apenas o Vitor Gaspar defende de facto a política seguida.
Como é evidente, os consensos têm as suas virtudes, mas assumi-los como solução para os grandes males do país é um erro tremendo. Basta ver que foram as políticas consensualmente acordadas e realizadas pelos tão indiferenciados governos dos últimos anos que nos trouxeram até aqui. Os atores que as praticaram são os mesmos que agora apelam a consensos para superá-las. Mais do que consensos, exigem-se hoje alternativas políticas claras e corajosas, que rompam com este estado de “consensozinho”. Exigem-se escolhas e exigem-se caminhos bem definidos, envolvendo diferentes sensibilidades mas com uma linha clara a prosseguir. É nesta alternativa que a oposição à esquerda anda a trabalhar? Alguns passos interessantes têm sido dados, mas é preciso muito mais.
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